VOTOU ERRADO…

         Da
última vez em que morri foi num sonho. Nenhum anjo veio me recepcionar, ao
contrario, dei de cara com um auxiliar do capeta, que aos gritos indicou uma
fila quilométrica sem dar tempo para reclamações. Entramos pela Caverna do Ódio
e fomos descendo em direção ao magma terrestre… O calor era insuportável,
muito choro e ranger de dentes. Recebi um cartão numerado onde constava meu
nome e o motivo pelo qual mereci a danação eterna. O recinto era imenso e todos
aguardavam a condução direta e sem escala para o inferno.
         Pelo
autofalante anunciaram numa voz pausada; – “Alo!… Atenção! A próxima condução
chegará com atraso. Todos estão liberados a desfrutarem de nossa hospitalidade…
Circulem, por favor!”
         Sentado
em um banquinho, espiando o povaréu que transitava pelo local, dei de cara com
um amigo que estava ali por engano, explicou. Seu pecado, segundo as más
línguas foi cuidar da vida alheia, fazer fofocas, cuspir nas pessoas e falar
mal da vizinhança. Tudo mentira! Uma falsidade desta gentalha sem eiras nem
beiras que não tem o que comer.
         Um
jovem, muito bem apessoado, contava a um grupo de meninos do mal que fora
injustiçado… Criara uma ongue com a finalidade de dar suporte à juventude
transviada pelas drogas e prostituição infantil. Devido a uma injúria, uma
aleivosia, uma mentira deslavada e com fins eleitoreiros inventaram um romance
inexistente entre ele e uma meia irmã… Estava pagando o preço por defender os
desvalidos da sorte, esperava entrar com uma ação contra Deus e ganhar a causa.
         Uma
senhora tentava explicar aos prantos que fora ludibriada por um bando de aproveitadores;
– “Logo eu! Mãos Limpas. Uma alma caridosa, que sempre tratei o próximo como
alguém da família, igual a um cunhado, igual a um irmão ou irmã… Uma pessoa
que jamais conheceu a palavra vingança, a palavra perseguição… Agora estou
aqui neste sufoco!… Naquele quartinho estão presos como se fossem ladrões e
bandoleiros, os meus amados assessores, os dignos filhos da cidade que tanto
defendi… De que valeu meu trabalho, minha honestidade, minha ética? Se eu
adivinhasse que tudo acabaria assim teria roubado, superfaturado, feito
conchavos com empreiteiras e politiqueiros safados! Cheguei à conclusão que no
mundo nada vale a pena se a alma é pequena.”
         Eram
centenas de almas reclamando, todas se dizendo inocentes. Uma roubou diversas
vezes o santo protetor, outro era agiota e destruiu muitos lares. Algumas eram
almas de padres pedófilos e muitas outras eram almas de crentes que usaram a
religião como escudo para ferir os semelhantes. Tinha pobre que usara da
pobreza para se aproveitar da bondade alheia, ricos que acreditaram estar acima
das leis. Pessoas rancorosas, invejosas, mal amadas escondidas por trás de
sorrisos falsos e moral duvidosa, sepulcros caiados como bem convém.
         O
transporte demorava e nesta hora é necessário ter muita calma, aproximei-me do
quartinho onde estavam trancafiados os tais assessores da mulher chorona e
reconheci muitos amigos. A mesma ladainha de sempre, eram todos inocentes… Um
deles, o que parecia ser o chefe da turma, se aproximou da grade que os impedia
de fugir da pequena sala e perguntou o porquê de eu estar ali, pois me conhecia
como um jornalista sonhador, um Zé Ninguém… Mostrei meu cartão e ali estavam
as razões de merecer o fogo eterno; – Fez campanha e votou errado.
Gastão Ferreira/2012  

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