VISAGEM…

         Verão,
noite de lua cheia, muito calor… Dona Anízia ficou até altas horas sentadas
na varanda da casa espiando a grande e amarela lua clarear o pequeno jardim.
Anízia esperava ansiosa pela brisa do leste que resolveu não comparecer. Desde
menina tinha medo da escuridão, as trevas diziam os antigos, são os caminhos
das almas perdidas e nunca se sabe quem se esconde na negritude da noite.  Tais pensamentos a deixava nervosa não carecia
de tê-los, era boa esposa, boa mãe, excelente vizinha, com certeza já
conquistara um lugar no céu, melhor tentar dormir. Recolheu-se ao quarto de
casal, Ernesto seu marido ressonava, ele não gostava de dormir tarde, pois levantava
antes do raiar do dia para visitar os cercos de Tainhas que mantinha no lagamar.
         Estava
quase a pegar no sono quando ouviu um leve ruído, uma corrente de ar no
ambiente, um tisk, tisk, tisk… Pequenas faíscas dançavam dentro do quarto. Sem
os óculos, fixou o olhar e a muito custo notou um vulto de longos cabelos
negros no recinto. Uma alma penada? Um espírito necessitando de oração? Como
cristã convicta devia auxiliar sempre, não importa a situação, era um ser
carente de Luz que a procurava. Sentou-se na beira da cama e sussurrou ao
espectro, temerosa de acordar o esposo; – “Espírito perdido na escuridão, vá
para a Luz!”, ouviu nitidamente um Hum… Hum… E alguém tentando sair do
quarto. “É um desencarnado! Não posso perder a oportunidade de encaminhá-lo aos
planos superiores” e foi atrás do vulto.
         A
casa de dona Anízia tinha uma sala, dois quartos com banheiro, uma cozinha,
área de serviço e uma varanda na parte externa que circundava os quatro cômodos
principais… A sombra foi em direção a cozinha; – “Minha irmã, desista de
ficar vagando, Jesus te espera, ele te ama muito, muito!”, “Hum… Hum…”,
gaguejou a alma de outro mundo. ”Siga para a Luz minha amiga, lembra que você é
filha de Deus e merece o repouso eterno!”, “Hum… Hum…”, “Que bom que está
entendendo minha mensagem, vamos orar juntas irmã!”. A figura deu meia volta,
desistindo de ficar na cozinha e voltando ao corredor se dirigiu para a sala.
Destravou a porta de acesso a residência e saiu correndo para a rua.
         Dona
Anízia feliz por ter salvado uma alma perdida despertou o marido e contou o sucedido;
– “Ernesto, meu velho, você não vai acreditar, tinha uma visagem aqui dentro da
nossa casa e eu consegui mostrar o caminho da verdade para a pobrezinha…” e
relatou ao esposo seu esforço para encaminhar para a Luz o espírito vagante.
”Dorme mulher! Você sonhou! Amanhã você me conta o pesadelo.”
         Seu
Ernesto se levantou antes do sol surgir e foi preparar o café. Que grande
susto! A cozinha estava toda revirada, gavetas abertas, gêneros alimentícios
espalhados, o relógio de parede, o liquidificador, a batedeira, os melhores
garfos e facas em cima da mesa e a janela que dava para a varanda entreaberta; -“Meu
Bonje! A visagem da Anízia era uma ladra que arrombou a janela da cozinha, fez
a limpa na casa e tentava acender um isqueiro para encontrar o interruptor e
dar um fim na gente… Ainda bem que Anízia entretida em doutrinar a alma do
outro mundo nem se lembrou de acender a luz. Que perigo! Escapou de ser
assassinada… Meu Deus!”
Gastão Ferreira
Observação – Fato real ocorrido na Vila
Garcez no ano de 2010.
        
        

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