Um Saci em Iguape

            No
ano de 1890, Iguape era uma das cidades mais ricas do Brasil; seu porto
rivalizava com o Porto de Santos, os comerciantes locais vendiam produtos
europeus em seus armarinhos e lojas para pessoas de fino trato. Pessoas de fino
trato eram aquelas que tinham eiras e beiras em suas casas, freqüentavam clubes
privativos para a elite, caminhavam sem olhar para o chão e com o nariz
empinado. Ainda bem! Em tal época, não existiam ruas calçadas na cidade e a
elite poderia se deparar com um cocô de cavalo ou algo pior.
         Todos os grandes palacetes já estavam construídos
e sua beleza era o orgulho dos proprietários. Missas solenes, procissões,
festas e serenatas alegravam a vida do povo. A cidade era limpa, as casas bem
cuidadas, as crianças estudavam, os bisbilhoteiros bisbilhotavam, as comadres
fofocavam e as mocinhas pensavam que namoravam escondidas nas janelas, mas
todos os passantes filmavam a cena e comentavam adoidados pelos becos e saraus
a ousadia da menina moça.
         Nos sítios a fartura amenizava a falta
de luz elétrica, televisão, facebook, internet, computador, fogão a gás,
geladeira, forno de micro ondas, carro, moto e avião; coisinhas estas, que
ainda não tinham sido inventadas. À noite, após o jantar, as famílias se
reuniam para por em dia a conversa. As mães tentavam explicar para as filhas
donzelas como a cegonha, tão pequena, conseguia voar carregando um bebê de três
quilos no bico. Os pais contavam causos e inventavam histórias, onde eram
sempre os heróis.
         Foi assim que Dimilton ficou sabendo
que seu bisavô tentara pegar um Saci e se dera mal. Seu Gemilton, o pai de Dimilton,
comentou que vovô Amilton usou uma peneira, mas a peneira estava furada e o
Saci escapou. Vovô Amilton muito sofreu com a vingança do Saci que escapuliu; no
final da vida estava banguela, careca e trêmulo.
         Dimilton era um garoto experto pra
dedéu, um guri moderno, afinal, vivia no século XIX e cismou que prenderia um
Saci, custasse o que custasse. Descobriu que o veículo de locomoção do Saci era
o redemoinho; óbvio! Com uma perna só, o sujeito era lerdo por demais, mas dentro
de um redemunho era igual corisco. Preparou uma peneira, conferiu os defeitos e
na primeira oportunidade capturou um Saci e o colocou dentro de uma garrafa
escura com rolha lacrada.
         A façanha de Dimilton correu mundo; as
pessoas seguravam a garrafa, algumas notavam um tremeluzir, outros diziam ouvir
os gritos do Saci pedindo que o soltassem, mas ninguém era louco o suficiente
para libertar o Saci, pois, todos sabiam do ocorrido com vovô Amilton e o
quanto ele padeceu quando o tinhozinho escapuliu.
         Dimilton cresceu, envelheceu, entrou
pela melhor idade e morreu; seu filho mais velho, Remilton, herdou a garrafa
considerada a relíquia da família. O tempo foi passando e com ele Remilton, seu
filho Vemilton e hoje, ano de 2014, seu neto Milton é o atual proprietário da
garrafa.
         Quando Brédipiti, filho de Milton,
ouviu a lenda familiar, caiu na risada e não acreditou. Seu Milton falou:-“
Brédi meu filho! Não zombe de coisa séria. Essa garrafa tá com nossa gente
desde os tempos de dantes,e, nóis era rico e não é mais.””Pai! Vou soltar o
bichinho. Quem sabe ele nos deixará novamente ricos!” Disse Brédipiti retirando
o velho e secular lacre. O Saci gritou:- “To livre! To Livre!” e escafedeu-se
no mundo.
         Seu Milton ficou muito triste; quebrara
a antiga regra, em vez de dar o nome de Zémilton ao filho mais velho, optara
pelo nome moderno de Brédipiti e deu no que deu… O que poderia esperar de
alguém chamado Brédipiti?… Bem que poderia ter vendido a garrafa para um
museu, a um milionário excêntrico, a um colecionador de criaturas raras. Que
bobagem acreditar que o Saci fosse realizar algum desejo, devia ter chamado um
advogado e obrigar o bicho a assinar um alvará de soltura… Que mancada!
         Estavam pai e filho nesse chororô
quando um redemoinho entrou na casa, e o Saci aos gritos:- “Me prende! Prende-me
novamente!”. “O que foi aconteceu Saci? Por que voltou?” Quis saber seu Milton.
         – “Por Tupã!” falou o Saci. “Fui
engarrafado em 1890, Iguape era uma cidade próspera e rica, com um futuro
maravilhoso… O que encontro depois de tanto tempo? Os casarões destelhados,
casas históricas em ruínas, ruas sujas, o Mar Pequeno assoreado, mendicância,
meninos drogados, o prefeito viajando para o exterior, falta de médicos,
maternidade fechada, professoras apanhando de alunos, barulho… Dengue! Cadê o
Porto Grande? Cadê o muro da minha Praça da Matriz? Cadê os chafarizes, os pelourinhos,
os clubes? A Fonte da Saudade? Eu quero morrer! Eu quero ficar preso para
sempre!”
MORAL
DA HISTÓRIA; –       Até o Saci quer viver
no passado.
Gastão
Ferreira 
        

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