TREBADO
Na cidade tombada por exigência da lei,
as casas foram pintadas na mesma cor. No antigo Beco das Velhas, hoje
denominado Travessa Melhor Idade, ficou difícil no escuro diferenciar uma
habitação da outra. Entre cervejas e muita pinga a cantoria foi até tarde. A
saideira foi à música imortal de “Eu só quero ser feliz na favela onde nasci”. Naquela
noite, Alcides tomou umas e outras e mais outras, estava completamente trebado
quando saiu do boteco do Mané Peixe. Madrugada fria e chuvosa, Alcides tenta
saltar as poças d’água que teimam em alagar as velhas ruas de calçamento
irregular. Caiu muitas vezes… Não encontra a chave da casa, melhor entrar pelos
fundos, assim não acordará Francislaine sua esposa.
as casas foram pintadas na mesma cor. No antigo Beco das Velhas, hoje
denominado Travessa Melhor Idade, ficou difícil no escuro diferenciar uma
habitação da outra. Entre cervejas e muita pinga a cantoria foi até tarde. A
saideira foi à música imortal de “Eu só quero ser feliz na favela onde nasci”. Naquela
noite, Alcides tomou umas e outras e mais outras, estava completamente trebado
quando saiu do boteco do Mané Peixe. Madrugada fria e chuvosa, Alcides tenta
saltar as poças d’água que teimam em alagar as velhas ruas de calçamento
irregular. Caiu muitas vezes… Não encontra a chave da casa, melhor entrar pelos
fundos, assim não acordará Francislaine sua esposa.
Gostaria
de presentear sua mulher, mas o dinheiro anda curto e hoje acertara o fiado com
o Mané. Sobraram umas merécas para o pão e o leite das crianças, a mistura do
mês não estava totalmente garantida. O Vale Gás, a Bolsa Família, mais a Cesta
Básica do patrão dariam segurança até o próximo pagamento. Francislaine era boa
companheira, cuidava da casa, dos filhos, dele e do cachorro, merecia um pouco
mais de atenção, largara os estudos básicos ao engravidar, seu sonho era cursar
Psicologia e por isso vivia a dar conselhos a torto e a direita.
de presentear sua mulher, mas o dinheiro anda curto e hoje acertara o fiado com
o Mané. Sobraram umas merécas para o pão e o leite das crianças, a mistura do
mês não estava totalmente garantida. O Vale Gás, a Bolsa Família, mais a Cesta
Básica do patrão dariam segurança até o próximo pagamento. Francislaine era boa
companheira, cuidava da casa, dos filhos, dele e do cachorro, merecia um pouco
mais de atenção, largara os estudos básicos ao engravidar, seu sonho era cursar
Psicologia e por isso vivia a dar conselhos a torto e a direita.
Sabia
que exagerava na bebida, falhara com seus pais e consigo mesmo, sua cabeça não
era boa para o estudo, não era má pessoa, gostava de cantar e curtir a vida com
os amigos. Quem sabe no futuro um de seus meninos se formasse doutor, agora com
as tais Cotas Raciais era mais fácil chegar lá. Ficaria feliz de ver um filho
com a vida aprumada, gosto que não dera a seus pais. Por seus filhos faria
qualquer sacrifício, até largar a “marvada” pinga. No próximo domingo
conversaria com o Bonje, seu amado protetor e pediria auxílio.
que exagerava na bebida, falhara com seus pais e consigo mesmo, sua cabeça não
era boa para o estudo, não era má pessoa, gostava de cantar e curtir a vida com
os amigos. Quem sabe no futuro um de seus meninos se formasse doutor, agora com
as tais Cotas Raciais era mais fácil chegar lá. Ficaria feliz de ver um filho
com a vida aprumada, gosto que não dera a seus pais. Por seus filhos faria
qualquer sacrifício, até largar a “marvada” pinga. No próximo domingo
conversaria com o Bonje, seu amado protetor e pediria auxílio.
Estava
tão bêbado que tropeçou, não queria acordar as crianças, não podia dar mau
exemplo, mas o corpo não obedecia. Foi arrastando-se até a porta do quarto,
aparentemente ninguém acordou… Forçou de leve a velha porta e recebeu em
cheio três tiros certeiros do dono da casa que apavorado gritava:- “Mulher sai
debaixo da cama, o ladrão está morto!”
tão bêbado que tropeçou, não queria acordar as crianças, não podia dar mau
exemplo, mas o corpo não obedecia. Foi arrastando-se até a porta do quarto,
aparentemente ninguém acordou… Forçou de leve a velha porta e recebeu em
cheio três tiros certeiros do dono da casa que apavorado gritava:- “Mulher sai
debaixo da cama, o ladrão está morto!”
Ah!
Essas casas antigas pintadas na mesma cor. Essa iluminação precária. Esse medo
que aprisiona e que faz de cada cidadão um refém em seu próprio lar. Essa
insegurança que ronda pela cidade destruindo famílias. Esses horrores mostrados
na tevê. Esses gritos inúteis de socorro dentro da noite. Pesadelos que matam
os sonhos e nos transformam em caçadores furtivos. Na madrugada uma mulher
chora abraçada aos filhos que perderam o pai. Um vizinho transtornado tenta explicar
ao delegado que confundiu o amigo com um ladrão. Na casa em frente à música
alta abafa os soluços:- “Eu só quero ser feliz na favela onde nasci…”
Essas casas antigas pintadas na mesma cor. Essa iluminação precária. Esse medo
que aprisiona e que faz de cada cidadão um refém em seu próprio lar. Essa
insegurança que ronda pela cidade destruindo famílias. Esses horrores mostrados
na tevê. Esses gritos inúteis de socorro dentro da noite. Pesadelos que matam
os sonhos e nos transformam em caçadores furtivos. Na madrugada uma mulher
chora abraçada aos filhos que perderam o pai. Um vizinho transtornado tenta explicar
ao delegado que confundiu o amigo com um ladrão. Na casa em frente à música
alta abafa os soluços:- “Eu só quero ser feliz na favela onde nasci…”
Gastão Ferreira/2011
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.