SEM TRAUMAS

         Britanny
é a alma de uma festa, criada num povoado a beira-mar, se veste a moda da casa,
ou seja, o mínimo possível. Gaba-se de nunca ter perdido um folguedo desde
batizado a velório, sua presença é parte de todos os eventos. Gosta de cantar,
dançar, sapatear e também de canapés, churrasquinhos, sorvetes, bolos, quibes,
comida japonesa, italiana, árabe e tibetana. Caso a bebida for gratuita enche a
cara com o que lhe dão e dança solitária ao som de qualquer música. Pesa um
pouco mais de cem quilos.
         Tanny é
uma mãe extremosa. Tifanny sua pequena filha de quatro anos a acompanha pelos
bares da vida. A menina é curiosa e aprende rápido, conhece de cor e salteado a
maioria das palavras de baixo calão, assim como frases ambíguas, ou de duplo
sentido. Um amor de criança, tão bem educada que a sentença que mais ouve é; “-
Cala a boca!”
         Na festa
de aniversário de Miau e Miow, a cachaçada rolou a valer. Zoiudinho, o dono da
boca de fumo do pedaço, que se dizia francês, aprontou. O tiozinho cantava
“Trem das Onze”, “Saudosa Maloca”, “Chão de Estrelas”, como um nativo dos
morros cariocas, fazer o quê! Era francês. A turma não estava nada contente com
a participação de Zoiudinho na festança, apesar da maioria ser fumantes não
misturavam as estações e maconha, cocaína e craque não faziam parte das
extravagâncias da noite.
         A lua
estava bem no alto, um pouco após a meia noite os grupos estavam formados e
cada um procurava o seu próprio quadrado. As senhoras de respeito comentavam a
última procissão e o belo sermão de Padre Pio. As garotas e garotos sem
programa falavam sobre o tempo chuvoso. Os sem eiras nem beiras bebiam pinga.
Os poucos com eiras tomavam cachaça e os com eiras e beiras cervejas. O grupo
de pagode cantava a pleno pulmões as mais belas músicas do passado e misturavam
às letras. As garçonetes anunciavam os últimos espetinhos de gato e o final da
festa.
         Estavam todos
nesse congraçamento, disputando os derradeiros churrasquinhos, quando Britanny
completamente desvairada adentra o salão; “- Pessoal! Um minuto de silêncio. O
Zoiudinho, esse filho de uma quenga, destruidor da juventude, esse francês de
bosta, essa coisa ridícula mostrou as “nardegas” a minha pequena Tifanny…
Pobre criança! Ficará traumatizada para o resto da vida. Vamos dar uma lição no
pilantra!”
        
Bodinho e Anita Manjuba tomaram as dores de Tanny. A senhora Anita passara a
noite de mesa em mesa contando suas mágoas e perturbando os diálogos. Sua filha
tinha um pequeno problema, mas quem não tinha pequenos problemas? O importante
era ser feliz. Pegou Zoiudinho pelo colarinho e exigiu explicações; “- Como o
senhor teve a coragem de baixar as calças frente a uma inocente criança? O
senhor tem ideia do trauma causado? Vamos linchar esse vagabundo.”
         Zoiudinho
se justificou alegando que sua calça caiu e que não era sua intenção causar
sequelas na fina educação da menininha. Não era francês! Tinha a língua um
tanto presa e devido a alguns excessos as palavras saiam distorcidas… Ajoelhou-se
frente a inocente Tifanny e morrendo de medo de ser linchado sussurrou;” –
Perdon minha criança! Perdon.”
         A
pequena Tifanny que naquele momento observava as sacanagens de um casal no
escurinho do salão fez beicinho e perguntou; – “Por que tenho de perdoá-lo
tiozinho francês?”, “Por que você serrá parra sempre uma pessoa traumatizada,
por que viu as minhas nádegas!”.
         Todos os
presentes esperavam pelo desfecho… Que fazer com o tarado? Dar uma surra?
Jogar no rio? Enforcar? Os ânimos estavam exaltados, os justiceiros prontos
para agirem, Britanny queria ver sangue! O tiozinho francês nem parava em pé de
tão chapado, seria fácil trucidá-lo… A inocente Tifanny, olhando para todos,
informou aos presentes; – “Não vi nádegas nenhuma! O que eu notei foi uma bunda
bem caidaça. Uma vergonha!”… Todos riram, o drama acabou! Sem Traumas.
Gastão Ferreira/2012    
          

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