PSICOPATA

                Magali Aparecida das Dores desceu da árvore. Nenhum
arranhão. No chão a cesta com os doces e ao lado a sua capa vermelha de uso
diário. Contou as guloseimas e faltavam três. O desgraçado havia comido! Que
bom. Enterrou os outros petiscos e deixou na cestinha apenas o bolo.
         Vovó
Tassia abraçou a neta. Mad apelido carinhoso de Magali Aparecida das Dores
estava uma mocinha.  Devido a uma pequena
desavença com a nora problemática, vovó juntara suas poucas tralhas e se mudara
para uma pequena, mas aconchegante casa na floresta.
         A
floresta tinha seus encantos. Muitos pássaros canoros, animais de várias
espécies, regatos sonolentos, árvores frutíferas. O único fator destoante eram
os lobos. Os lobos atacavam os viajantes e vovó apesar de adorar as visitas da
neta Magali, ficava receosa de que acontecesse o pior com a jovem.
         Magali
se deliciava com as visitas à vovó… A velha era uma senhora fofoqueira e
sabia dos segredos mais secretos dos habitantes da vila. Bastava um copo a mais
de licor para que ela contasse as mais sórdidas histórias, vovó Tassia esquecia
que Magali era apenas uma guria extremamente sensível.
         Na
vila o tempo passava despercebido. Todos sabiam que o inverno estava chegando
quando os patos selvagens desapareciam. Que era outono pela queda das folhas.
Verão pela quantidade imensa de pernilongos infernizando a vida da população,
primavera pelas flores e namoricos entre animais no cio. Os habitantes do
lugarejo eram festeiros e gostavam de um bom vinho, uma caipirinha no capricho,
um gole de pinga, ou seja, eram todos alcoólatras anônimos. Diz o ditado que pé
de bêbado não tem dono e muita sacanagem rolava entre uma dose e outra.
         De
tempos em tempos apareciam cartas anônimas pedindo dinheiro em troca da não
revelação de segredos inconfessos. Temerosas de ficarem mal faladas, as
donzelas se desfaziam de pequenos mimos, brincos, pingentes, pulseiras de ouro.
Tudo ganho através de ousados carinhos, tórridas noites de sexo selvagem ou
pequenas sacanagens não especificadas.
         Como
o mundo é falso ninguém contava das cartas anônimas. Quando questionadas sobre
as joias desaparecidas as mocinhas simplesmente afirmavam que perderam. Eram
conhecidas como “as perdidas”, assim a vida continuava na rotina de sempre. Os
homens trabalhavam para terem o seu ouro, as mulheres inventavam mil maneiras
de rapinarem o ouro dos homens, as crianças brincavam e aprendiam todas as
malandragens possíveis, Magali enriquecia secretamente.
         Magali
Aparecida das Dores era filha de Mafalda Amélia das Dores, uma exímia
costureira e modista. Aprendera com a mãe a arte da costura… Sua
especialidade? As roupas de pele. Os lobos apesar de sanguinários não podiam
ser exterminados, uma lei contra a matança de animais silvestres assim
determinava. Magali nunca ligou para a lei e secretamente envenenava os lobos.
Sabia que a fera gostava de doces e assim recheava os petiscos com os mais
mortíferos venenos, também sabia do fetiche da capa vermelha e atraia o animal
para uma emboscada fatal.
         Nas
visitas à vovó, levava dez doces envenenados e fazia questão de passar pela
trilha dos lobos. Com sua capa vermelha atraía o bicho e quando perseguida
largava a cestinha e subia numa árvore. O lobo, muito curioso, sempre comia os
doces e o veneno mortal agia rapidamente. Ao voltar da casa da vovó, Magali
retirava cuidadosamente a pele do animal assassinado e era assim que obtia o
material para confeccionar as roupas.
         Dizem
que o ouro corrompe… Magali queria enriquecer e através das fofocas da vovó
passou a chantagear muita gente. As pessoas se desfazem de tudo para não terem
seus pequenos e grandes deslizes revelados a luz do dia. O butim de Magali
aumentava continuamente. Um dia ela foi premiada com uma carta anônima; – “Eu
sei o que você faz na floresta… Aguarde instruções, quero o seu ouro. ”
         Para
Magali a única pessoa confiável era vovó Tassia e foi a ela que recorreu nessa
hora amarga. Esperta, a menina não contou das cartas que enviava às donzelas.
Resolveram sair na calada da noite e mudarem para a cidade grande… Vida nova,
novas oportunidades. Magali nunca descobriu que a carta que recebera era da
vovó Tassia, a velha estava cansada da vidinha medíocre e queria conhecer as
benesses da vida civilizada.
         Compraram
um belo sobrado de altos muros. A cidade era pacata e milhares de turistas
vinham conhecer uma magnífica cruz de pedra que ornamentava a praça principal.
Foguetes confirmavam a tradição festeira do logradouro. Bares, eventos regados
a bebidas alcoólicas, muita sacanagem rolando na noite, uma excelente fonte
para futuras cartas anônimas…. Ontem recebi um bilhete; – “Eu sei o que você
aprontou no Banho da Dorothéia… Dois mil Reais e você recebe a gravação com o
filme original… Aguarde novas instruções. ” A psicopata da Magali já está
entre nós.
Gastão Ferreira/2012   
           
        
           
        

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