PRINCESA

            Quando chegam as lembranças eu me
debruço sobre o tempo e vejo uma criança feliz. Do alto da montanha contemplo o
mar, recordo das caravelas, dos navios piratas, dos selvagens que brincavam
comigo nos dias infantis. Minha irmã Cananéia sempre foi a mais retraída dentre
nós, meu irmão Vicente era o rezador da família, virou santo, São Vicente. Meu
outro irmão, O Santos, cresceu e ficou famoso. Papai Portugal andou aprontando
com uma índia, desse romance espúrio nasceu meu irmão bastardo Itanhaem e eu. Essa
história faz parte dos segredos familiares.
         Papai
Portugal foi um pai distante, com o passar do tempo descobri que éramos parte de
uma grande família, frutos de suas aventuras pelo mundo. Possuo irmãos na
África e na Índia, mas o verdadeiro amor de papai nunca saiu da Europa.
         Meu
nome é Iguape, sou de origem indígena, cresci livre nesse local banhado por
inúmeros rios que por aqui se misturam ao oceano. Quando menina mudei de casa,
os piratas não davam sossego. Saímos da pequena vila de vovó Icapára para esse aprazível
sitio onde com o tempo fui feita Princesa.
         A
juventude foi gloriosa, muito ouro enfeitou minha casa. Possuí um dos maiores
portos do país, minha fama corria o mundo. Pessoas ilustres me visitavam, os produtos
de minhas inúmeras hortas disputavam mercados distantes. Era uma Princesa de
fato e uma garota feliz.
         Oh!
Como a mocidade é cruel e inconseqüente. Eu, uma princesa indígena, perdida na
vastidão desse país continente queria ser rainha. Ordenei aos súditos a
construção de um grande valo ligando o Rio Ribeira ao lagamar. Esse passo foi
minha ruína, causei um dos maiores desastres ecológicos na América do Sul. Meu
grande porto foi assoreado, os navios nunca mais voltaram. As áreas de plantio
desapareceram devido a enchentes, minha decadência começou.
         Não
posso culpar ninguém pelo mau passo dado na juventude, sobrevivi, meus irmãos
se tornaram famosos. Santos é ponto de referência no planeta, tem casa luxuosa
com numerosos súditos. Vicente! Continua rezando, mas prosperou. Itanhaem já
não é tão selvagem, talvez seja o mais feliz de todos nós, pois continua um
eterno curumim.
         Não
quero que pensem que sou uma despeitada, afinal, de toda a família só eu sou
nobre, só eu detenho o título de Princesa, mas uma coisa que está me magoando
profundamente é essa estagnação, essa falta de perspectivas, esse não progresso
que me envolve. Até minha irmã caipirinha, a doce Cananéia, está progredindo
mais do que eu e isso dói! Como a tolinha da família tenta tomar o meu lugar?
Como ousa competir com a irmã Princesa?Jamais passou pela minha cabeça ser uma
decadente, uma nobre da melhor idade sem futuro visível. Dizem que no meu
destino serei apenas uma velha senhora tombada pelo patrimônio histórico. Meu
Bonje! Eu não quero ser um asilo.
Gastão Ferreira
        

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!