PRIMO…

         Caro
primo Incitatus, aguardando sua visita para o mês de Junho, informo; – Tudo
sobre controle! A cidade está um imenso canteiro de obras. Finalmente
descobriram um salvador da pátria. É uma jovem liderança que explodiu em
genialidade de uma hora para outra. Os humanos são bem diferentes de nós os
cavalos! Você já ouviu falar de algum pangaré que de um momento para o outro
passou a ganhar todas as competições esportivas? Não?… Nem eu!
         Com
os homens tudo é possível! São surpreendentes! Com muito pouco estudo entendem
de tudo, acumulam cargos em cascata, isto é, fazem o serviço de cinco a oito
técnicos sem mostrar o mínimo constrangimento ou preparo… Coisa de gênio! Óbvio!
Ganham ordenados de sabichões também. Pena que quase sempre a coisa não dá
muito certo, tipo, as obras apresentam rachaduras, são muito caras e as pessoas
comentam; -“Com toda esta grana que está disponível eu faria o triplo!” Mas
quem critica são amadores e não profissionais, coisa de quem não entende do
riscado nem de obras públicas.
         Primo
Incitatus, estou apavorado! Desde potrinho convivo com os homens, fui
praticamente criado pelo grande Zorro e seu caso, digo, amigo Tonto. Ambas
excelentes pessoas, defensores dos pobres e dos oprimidos, tinham suas pequenas
desavenças, nada grave, apenas ciúmes ocasionais… Ontem assisti ao vivo e a
cores a algo terrível. Foi na Praça da Matriz. Estava aproveitando o silêncio da
noite para pastar uma grama bem maneira na orla do mangue, o capim por ali me
deixa eufórico, dizem que a causa desta excitação são os restos de baseados
largados no meio do mato pela garotada do tóxico, nem sei o que é isto, mas que
funciona, funciona!
         Estava
pastando num boa e de repente comecei a ouvir vozes, gritos, xingamentos, pensei
que era efeito do capim. Que nada! A gritaria continuava… Curioso foi espiar
e fiquei paralisado de horror! Jamais assisti a cenas tão degradantes na minha
vida. Um homem com uma roupa diferente parecendo vestuário árabe, com longos
cabelos negros estava sendo julgado em praça pública… Um tal de Pilatos sem
mais nem menos mandou dar a maior surra no coitado. Não satisfeito fez o
infeliz carregar uma pesada cruz de madeira em volta da pracinha… Um soldado sádico
enfiou uma coroa de espinho na cabeça da criatura… O povo delirava e gritava
“Crucifique-o”, “Crucifique-o”… Pois não é que pregaram o pobre homem em uma cruz!
Todos que estavam na praça bateram palmas e alegres explodiram muitos
foguetes…
         Estou
morrendo de medo! Se fazem isto com um dos seus semelhante, imagine com um
equino. Que falta que faz meu amado pai Zorro. Caso ele estivesse por aqui,
toda aquela gente ia ver o que é bom para a tosse… Chicotada no lombo
daqueles folgados era pouco! Como já assisti a morte de um cachorro por
espancamento e hoje a crucificação de um pobre e indefeso cidadão, estou
indignado! Nossos antepassados foram famosos e ficaram para a posteridade como
heróis, alias Herói era o nome do cavalo do Fantasma, nosso ancestral comum o
Cavalo de Tróia é lembrado até a atualidade, Bucéfalo acompanhou Alexandre
Magno em suas conquistas e seu xará Incitatus participou com Calígula de suas
loucuras. Tivemos Pégasus que voou para o céu e virou constelação, temos
cavalos-marinhos, mas nunca ouvi falar de um cavalo que tenha morto alguém por
divertimento.
         Primo
Tatus, não esquenta a cabeça comigo, acho que é a tal larica que está me
pegando. Meus dois neurônios Procotó e Pracatá estão de “mauses”… É que,
baseado na mente, constatei uma grande maldade; – “Por que será que os humanos
fazem promessa para nós cavalos pagarmos?”
         Vez
por outra chegam aqui na cidade romeiros a cavalo, ou seja, cavalarianos que
prometeram ao Bonje uma visita caso obtenham um milagre… Todos vindos de
muito longe, dormem em barracas, comem mal e dormem pior ainda. O que me deixa
indignado é o que um cavalo tem a ver com a promessa de um homem? Nem imagina
como nossos parentes sofrem! Quebram as ferraduras, sentem sede, troteiam
quilômetros sem parar e os homens só no desfrute, contando piadas, falando
besteira e obrigando os equinos a se pavonear, tipo, levanta as patas!
Relincha! Faz cortesia! Promessa assim é fácil de pagar, eu quero ver é
prometer trazer o cavalo nas costas.  
         É
isto aí primo! Enquanto aguardo sua visita, vá conhecendo a cidade através das
minhas cartinhas e ganhando novas experiências com os humanos. Um coice
carinhoso no seu coração, de seu primo pobre…
Silver
Gastão Ferreira/2012   

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