PRIMEIRO DE ABRIL

            Dona Maricota varreu a frente da casa e a
sua metade da rua. Dona Anita não se conteve e varreu a outra metade da rua e
mais a sua calçada. Dona Cotinha a próxima vizinha fez a mesma coisa e assim
até o fim da rua cada morador fez a sua parte. Seu Joca deu uma geral na sua
calçada, retirou o matinho que a umidade teimava em fazer crescer. Seu Ari, Seu
Ronaldo, Seu Tião, Seu Zico também fizeram o mesmo, parecia outra rua.
         Cada
casa passou a dividir uma cesta de lixo com a casa vizinha e quem jogasse lixo
na rua era advertido com todas aquelas belas palavras feitas para ofender e
magoar. Sobre os muros plantas saudavam os passantes e por incrível que pareça
ninguém roubou um vasinho sequer.
         As
pessoas tomaram gosto e pintaram as casas, os mais pobres apenas caiaram e os
ricos usaram as melhores tintas. Cachorros com endereço nas coleiras podiam
circular livremente, a velocidade máxima era respeitada e carros de sons acima
do permitido por lei (?) apedrejados a fim de aprenderem que ouvido alheio não
é penico.
         A
noitinha era com orgulho que todos sentavam frente a suas casas para fofocar,
pois ninguém é de ferro. As crianças reaprenderam a brincar e as mocinhas a
namorarem civilizadamente sem aqueles lances de filmes pornográficos. Gatos e
cachorros faziam sua parte e as famílias desfrutavam juntos momentos de paz e
harmonia. A rua era o maior sucesso… Calma… Limpa… Sossegada.
         Quando
o lixo não foi recolhido foram em passeata até a prefeitura, cada um com seu
saco de lixo particular e o colocaram frente ao prédio municipal. Nem foi necessário
discursos e xingamentos e a coleta nunca mais foi esquecida. Fizeram o mesmo
com o primeiro mendigo que apareceu. “Quem quiser comida que trabalhe por merecê-la,
é uma lei divina que foi imposta a Adão ao ser expulso do Paraíso”. Os pedintes
nem passaram mais por aquela rua de pessoas tão desalmadas.
         Outras
ruas copiaram esse ato de cidadania e a cidade ficou linda. Os politiqueiros
ficaram apavorados com a iniciativa: -“ Não reclamam! Não pedem nada! Cada um
faz a sua parte… Que será de nós? Povo consciente é difícil de manobrar, oh meu
São da…! Faça um milagre.”
         Dona
Maricota acordou com dor de cabeça devido a cachaçada da noite anterior, jogou
água quente no cachorro, ofendeu o marido e falou alguns palavrões caprichados
para que a vizinha ficasse esperta e soubesse com quem estava mexendo. Fazia um
mês que não varria a calçada, Cryslaine sua filha adolescente chegara às cinco
da manhã dos escurinhos da vida e só acordaria lá pelas onze horas. O pivete do
Juca já estava baseado frente à tevê e o maridão estava enchendo a cara de
pinga… Hoje é dia de buscar o Vale-gás, o Vale-pão, o Vale-transporte, o
Vale-papél higiênico, o Vale-canabis para o Juca, o Vale-pinga para o marido, o
Vale-pírula para a Crys, o Vale-voto para… Deixa para lá, a Bolsa Família, a
Bolsa Escola, a Bolsa-bolsa. Oh vida!Logo hoje que queria varrer a calçada,
logo hoje… Primeiro de Abril.
         E
assim a súplica dos que não amam a cidade foi ouvida e um poderoso santo estrangeiro
fez mais um milagre e o que era para acontecer jamais aconteceu… Primeiro de
Abril!
Gastão Ferreira/2012
        

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