PESADELO

            Ontem durante o sono tive um pesadelo, conheci um mundo
povoado pelos personagens de todas as histórias que imaginei. Sem sol, sem luz,
sem esperanças vultos vagavam na penumbra lunar. Os enforcados seguravam
pedaços de cordas pendentes de seus pescoços, os suicidas pelas águas se
apresentavam roídos por siris. Pessoas com furos na cabeça, outros no coração.
O ladrão agarrado ao objeto furtado, o corrupto moralmente nu, mas se vendo
vestido do ouro rapinado.
            Os avarentos defendendo posses imaginárias, os mentirosos
e vis com falsas carapuças de santos tentavam passar despercebidos.
Politiqueiros gesticulando ao vento piamente crédulo que cada pedra imóvel era
um desatento e corrompível eleitor.
            Procissões com indigentes morais contornavam entre
lamentos a grande basílica feericamente iluminada. Pagadores de promessas não
cumpridas mendigavam uma prece sincera. Todos os romeiros de todos os tempos
com suas cruzes, seus cilícios, seus gemidos ali se faziam presentes.
            Num coreto fantasma idêntico ao destruído pelos atentos
zeladores de nosso patrimônio histórico, seres deformados pela arrogância,
prepotência e vaidade, discursavam entre gritos histéricos perante uma platéia
imaginaria… Aves de mau agouro espiavam de sobre telhados em ruínas.
            Em volta da grande praça a procissão era contínua. Falsos
e cínicos carregadores de andor de todos os tempos se digladiavam chorando
humilhados perante a divindade que tentaram em vão corromper, cientes dos maus
passos, dos maus exemplos, das más atitudes.
            Todo um passado estava presente. Índios, escravos,
coronéis, rameiras e donzelas mortas por amor ou de tanto amar cercavam
transeuntes em lagrimas. Todas as gentes que um dia aqui viveram estavam na
praça clamando pela justiça divina. Padres de negras vestes, bispos e seus
anéis, pastores e ovelhas clamavam por merecido descanso. Coronéis sem armas e
sem poder, ultrapassados em vilania por novos mandatários, quedavam-se mudos
frente à multidão que cobravam reparação de passados atos de tirania.
            O vento sul castigava a cidade, bêbados tiveram visagens,
mendigos acordaram sobressaltados… A cidade dormia desconhecendo o pesadelo. Quando
a porta principal do grandioso templo foi escancarada, todos esses seres
imaginários adentraram a imensa construção.
            Tudo isso ocorreu num tempo sem tempo, entre dois repicar
de sinos e eu era o observador… Fui o último a entrar no santuário e a praça
estava vazia, todos os mortos do passado estavam dentro da matriz… Só o vento
soprava entre os velhos casarões e para minha surpresa o majestoso templo
estava vazio, uma imensa paz se apoderou de minha alma apavorada e acordei
sobressaltado, com a sensação que levantara um véu proibido, de um segredo que
deve permanecer escondido, de uma eterna verdade onde tudo termina e tudo
recomeça.
Gastão Ferreira

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