PARA NOYA COM AMOR

                Querida amiga Noya, você que é uma pesquisadora e
estudiosa do comportamento humano poderia me esclarecer algumas dúvidas?É
possível que um evento seja visto de maneira diferenciada por grupos distintos?Estou
escrevendo de uma pequena cidade conhecida pelos nativos como “Novíssima
Jerusalém”. É assim chamada pela mídia local para diferenciá-la da Nova
Jerusalém, aquela cidade que encena um grandioso espetáculo sobre a Paixão de Cristo.
Li num panfleto local que milhares de pessoas estariam presentes a um evento e
fiquei deveras impressionado… Que maravilha!Que beleza!Que raridade!
         Noya,
contei aproximadamente trezentas pessoas no entorno de uma praça, não percebi a
presença de turistas nem de caravanas de outras cidades, mas os realizadores do
espetáculo agradeciam o comparecimento das tais milhares de pessoas. É correto
chamar trezentas pessoas de milhares?
         Em
“Novíssima Jerusalém” ocorre um fato inusitado. Percorrendo as ruas nota-se
acumulo de entulhos pelas calçadas, mas as autoridades afirmam que um dos
cognomes da cidade é “Cidade Limpa” e negam a presença de detritos em
logradouros públicos apesar dos habitantes reclamarem constantemente do descaso
com a faxina municipal.
         Chegando
ao centro da cidade o visitante se depara com muitos pedintes enfeando um lugar
tão aprazível, são moradores de rua com seu direito de ir e vir que não pode
ser cerceado. Dizem que a autoridade acrescentou o direito de ficar e
perturbar.
         O
comércio está em crise e são muitas as reclamações dos micro-empresários.
Centenas de jovens abandonam a cidade em busca de emprego em locais distantes e
os que permanecem na cidade vivem de pequenos biscates ou serviços temporários.
         Noya!
Tudo isso que relato é devido ao fato dessa dissonância que não consigo
entender. Um verdadeiro paradoxo! O povo vivencia uma coisa e as autoridades
outra. As pessoas enxergam uma coisa e os mandantes outra. Onde um vê sujeira o
outro vê mãos limpas. Onde há descaso o outro chama de todo amor. Será uma
doença?Uma epidemia que atinge os habitantes? Realmente não sei e gostaria de
contar com seu conselho.
         A
cidade de “Novíssima Jerusalém” não possui maternidade nem velório público, mas
muitos comissionados em cargos de confiança viajam pelo país, mandam e
desmandam mais do que as autoridades eleitas pelo povo, desfrutam de ótimos
hotéis pagos com o sofrido dinheiro de contribuintes que nada podem reclamar e
a frase mais ouvida é:- “Quem não beija a mão é inimigo.”
         Noya!Gostaria
de contar com sua presença para juntos desvendar esse mistério antes que me
expulsem como elemento indesejado. Um abraço de seu amigo Zeca.
Obs. – Caso venhas a “Novíssima
Jerusalém” traga algumas carapuças, pois algumas pessoas aqui na cidade adoram
vesti-las.
Gastão Ferreira/2010

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