OS PIRATAS

            Tudo começou no dia em que Marócas
contrariando a ordem paterna foi banhar-se próximo a Pedra da Paixão, uma
espécie de Fonte do Senhor da época. Um lugar onde os “dimenor” faziam o que
bem entendiam e que ninguém tinha coragem de questionar, pois até mesmo os
conselheiros com seus inúmeros conselhos se passavam por cegos, mudos e surdos
talvez, temerosos de serem confundidos com pedófilos, evitavam vistoriar o local.
Foi nesse dia que Marócas realmente reparou em Zóinho.
         Marócas
não tinha eira nem beiras, apenas um sorriso matreiro e um olhar de “eu posso”,
“eu quero”, ”eu consigo”, “é meu”. Seu pai pertencia ao bando do famoso
Manjubão, um pirata de Cananéia que possuía um papagaio da cara roxa que falava
tupi-guarani.
         Zóinho,
filho do coronel Alcides, era o garoto esperto do pedaço. Numa caverna perto do
Itaguá escondia seu tesouro; Peças barrocas, placas comemorativas de bronze, ídolos
pré-colombianos, muitas moedas, objetos de arte, coisas e coisinhas de ouro e
prata surrupiadas na calada da noite de igrejas e locais públicos aos quais
tinha acesso por ser filho de coronel e cidadão acima de qualquer suspeita. Um
mapa de um provável tesouro pirata era o bem mais precioso.
         Marócas,
esperta como só podia ser uma filha de pirata, descobriu fácil o segredo de
Zóinho. Resolveu seduzi-lo e se apossar legalmente do tesouro. Contou ao pai o
seu plano diabólico e como ouro é ouro, seu honrado genitor deixou os brios de
lado e armaram uma arapuca.
         Zóinho
ouviu os gritos de socorro, tinha a alma de herói e o coração de um veado
catingueiro, chegou a tempo de retirar das águas o corpo sem sentidos de
Marócas que nua banhava-se no Mar Pequeno. Gritou, chamou, implorou; Marócas
não dava sinal de vida e Zóinho quase histérico começou a fazer respiração boca
a boca na garota. Foi nesse momento que os piratas o cercaram e até explicar o
que estava fazendo com uma inocente donzela peladona, desmaiada e num lugar
deserto, já estava casado na marra.
         Zóinho
jamais contou a Marócas sobre seu tesouro, pois não a amava. Amava em segredo
(não muito) Davi o seresteiro, dono de um conjunto musical chamado “Três
Coqueiros e uma cabana”. Marócas sabia do que ocorria “no escuro” da vila
graças aos serviços de Sandrinha, uma garota muito dada e que dava muito.
Contratou Sandrinha para dar encima de Zóinho que ficou muito feliz por passar
por machão aos olhos dos bacanas (não muito) da época e um novo esquema foi
estabelecido.
         Os
piratas intimaram Zóinho a parar com o romance com Sandrinha; – “Como ele
ousava trair a filha de um pirata?” Óbvio! O garanhão negou o fato. Foi
espancado tão violentamente que ficou de molho por mais de mês e foi nesse
ínterim que o tesouro trocou de esconderijo.
         Marócas
aproveitou o escândalo e se passou por vítima, abandonou a vila e jurou jamais
voltar à por os pés no local onde foi tão humilhada. Foi morar na corte com seu
pai e sabe como é!Um pirata a menos e a população agradecida soltou foguetes.
         Zóinho
já recuperado e junto com Davi encontrou a caverna destruída e na parede o
desenho da famosa caveira pirata, entendeu o recado:- “Em boca fechada não
entra mosca.” Achou outro esconderijo e continua rapinando pequenas obras de
arte sacra, anjos e sinos de cemitério, objetos de bronze e esculturas de
mármore e vive a reclamar dos ladrões de fora que roubam tais objetos.
         Marócas
montou uma loja de decoração na corte, compra e vende objetos furtados. Ficou
muito rica. Nessa história toda, quem perdeu foram os habitantes da vila que
desde então de tempos em tempos notam que seu patrimônio artístico vem
diminuindo. Claro que sabem quem realmente se apossa desses bens comuns, mas
como é mais prático não falarem o nome dos bois, digo dos ladrões, continuam a
culpar os piratas.
Gastão Ferreira

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