O PESCADOR E A SEREIA
                               Seu Fernando é velho; velho como o mundo. Todos os que
o conhecem não se lembram de tê-lo visto diferente. Mesmo nhã Sabina, a pessoa
mais idosa do povoado, reconhece que há oitenta anos, quando se deu por
vivente, seu Fernando já possuía a aparência que tem hoje; – Mistérios! Dizem
alguns.

Bruxarias! Exclamam, outros.
Conheci
Seu Fernando no Costão da Juréia, município de Iguape; um grande pescador, meio
caladão, melancólico. Não sei o porquê, ele me fez seu confidente! Talvez pelo
fato de desabafar com um desconhecido, um turista qualquer. Talvez por pensar
que eu não o levaria a sério.
Estávamos
falando do mar; daquele mar belíssimo que abraça a Juréia apaixonadamente, que
canta em suas pedras as canções da eternidade, que ri, chora e lamenta dia após
dia, se esparramando onda por onda nas areias monazíticas daquela praia de
sonhos, como não querendo deixá-la por um só momento… Seu Fernando, apontou para
o costão e falou; – Foi ali!… Bem ali! Naquelas pedras foi onde encontrei
Lenora…

Quem é Lenora? Perguntei

Uma sereia, ele respondeu.

Fez-se silêncio… Seu Fernando olhando o mar, e o seu pensamento mergulhado
nas lonjuras das águas, sua mente buscando o leito oceânico; – Faz muito tempo,
faz tanto tempo; eu era um jovem pescador, moreno, corpo atlético, no verdor
dos meus vinte anos…. Um sonhador! Tivemos uma tempestade, vim até a praia ao
amanhecer, e andando entre as pedras eu a avistei; uma mulher de longos cabelos
cor do sol. A parte superior do seu corpo recostada na cavidade das pedras….
Aproximei-me imaginando uma náufraga, uma turista desatenta que não conseguira
escapar a tempo da tempestade; sua pele era de uma tonalidade dourada, que eu
nunca tinha visto, estava desmaiada.
          Reanimei-a… Ao despertar, seu rosto
adolescente, de uma estranha formosura, aterrorizou-se; ela estava fragilizada
pelo acidente. Conversei mansamente com ela, tentando acalmá-la…. Apavorei-me,
suas respostas atingiram a minha mente com imagens, como num filme; então foi a
vez dela me tranquilizar…
Falou-me
do mar, do seu povo, de sua vida… Era uma sereia e seu nome era Lenora.
Descobrimos tantas afinidades um no outro, que brotou o amor; este amor irmão
da compreensão, maior do que nós dois, maior do que o frágil limite de nossas
existências, o amor verdadeiro e tão difícil de encontrar; o amor pelo qual
sonhavam os nossos jovens corações…

Como amei e amo a pequena sereia dos meus sonhos juvenis; como Lenora me amou e
me ama. E assim foram se passando os anos, ela linda, dourada, eternamente
jovem, e eu? E eu, dia após dia envelhecendo, cativo daquele amor…. Do amor
que é o meu ar, minha vida, meu mundo.

Lenora ensinou-me técnicas de seu povo, contou-me os segredos do mar; de dia
sou Fernando, um velho pescador, mas a noite me transformo em Nando, o amante
de Lenora, minha luz! Não vejo a hora de morrer para que meu espírito possa
partir definitivamente para o mar, mas talvez por compartilhar do amor de
Lenora, tenho uma saúde invejável…
Seu
Fernando calou-se; olhou longamente para as ondas e foi em direção à sua
cabana; mantive-me imóvel…. Não sabia o que pensar; fui para o hotel, tomei
um banho, fiquei ouvindo música até a noite chegar, com o meu pensamento
voltado para Seu Fernando; era um velho louco, história de pescador; melhor
esquecer!
A
noite estava esplendorosa, lua cheia; resolvi caminhar na beira-mar, ir até as
pedras admirar as estrelas. Estava na metade do caminho que leva à cachoeira
quando me voltei e vi Seu Fernando na praia; escondi-me e fiquei a observá-lo.
Seu
Fernando deitou-se à beira-mar, parecia que adormeceu; uma estranha
luminosidade saia de seu corpo, e formava outro ser em tudo idêntico a Seu
Fernando, só que mais jovem, atlético, bonito; um cordão cor de prata unia o
jovem ao velho corpo… Bruxaria? Pensei.
Neste
momento um fenômeno belíssimo ocorria no mar; a luz da lua cheia refletindo em
longos cabelos dourados, revelava a beleza sem igual de um rosto adolescente; o
jovem entra na água, abraça aquele ser diáfano e ambos mergulham e desaparecem
no oceano…
E
eu ali; única testemunha daquele mistério. Na praia, um velho alquebrado,
dormindo na areia, e aquele estranho cordão prateado saindo de seu corpo e
adentrando o mar; era verdade o que Seu Fernando me segredou…. Será que neste
momento, Nando, o amante iluminado e Lenora, a filha do mar, compartilham nas
profundezas do mar da Juréia, o seu amor? Será?
Gastão
Ferreira/2004
 
                                                                                             
                                                                                                                             
                              
                                                                                                                                                       

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