O MENINO PASSARINHO

           
muito e muito tempo quando as crianças ainda não sonhavam em serem modelos,
artistas ou trombadinhas, existiu um menino que queria ser passarinho. Seu nome
era Miguim.
         Miguim morava num lugar encantado. Um
pedaço do mundo cercado de altas montanhas, frente a um belíssimo e piscoso
lagamar onde um canal, todo arborizado, unia um grande e majestoso rio a um
imenso manguezal.
         A cidade era linda. Possui diversas praças
e jardins. Muitas escolas e o pai de Miguim era um pescador. Seu Leléco tinha
uma pequena canoa e com ela percorria toda a orla do grande lagamar. Pescava
tainha, salteira, oveva, pescada, manjuba, bagres e muitos outros tipos de
peixe.
         Quando seu Leléco voltava da pesca
diária permanecia horas e horas contando suas histórias de pescador para o
filho. Era viúvo e enquanto preparava o jantar falava das garças, dos biguás,
dos socós e dos flamingos vermelhos. Descrevia o lobo guará, o bugio, o porco
espinho e inventava a onça e dizia do grande gavião real que morava na montanha
mais alta. Apresentava o tucano, a saíra, o sanhaço e os mil pássaros que
sobrevoavam sua embarcação.
         Miguim amava o pai que era o seu herói
e aguardava ansioso a sua volta da pesca para ouvir as novas histórias. Miguim
desejava ser um passarinho para poder seguir lá do alto a canoa solitária,
espiar de perto as montanhas, conhecer novos lugares. Miguim queria ser um Bem-te-vi.
         A molecada zombava de Miguim e de seu sonho
impossível. Tanta coisa importante e ele querendo ser um reles Bem-te-vi. O pai
não dizia nada:- “Coisas de criança!” pensava. Miguim contava à seu pai, que ao
dormir voava para longe da cidade, via uma ponte, estradinhas cortando a mata,
pequenas quedas d’água e também o mar com seus barcos e as grandes ondas que
visitavam a praia.
         Uma tarde Miguim e os amigos resolveram
nadar no Valo Grande, Miguim jamais voltou. Seu pai quase enlouqueceu. Por mais
que o procurassem, o seu pequeno corpo nunca foi encontrado.
         Leléco não se conformava. Como amava o seu
filhote! Como sentia a sua falta. Tornou-se um homem triste. Agora seu mundo
era sombrio, já não tinha a quem contar suas histórias, aqueles olhos que
brilhavam, o abraço que tirava o seu cansaço, o sorriso que iluminava a sua
pobreza e dava força para continuar lutando tinha desaparecido para sempre…
Para sempre.
         Leléco lançou a tarrafa, estava frente
à Pedra da Paixão. Recolheu vazia. Olhou a montanha e a saudade chegou
apunhalando: – Miguim!
Leléco chorou… Já não queria mais viver sem a sua
luz, a sua razão de existir, era melhor tombar a canoa… Fechou os olhos, fez
uma oração, pediu perdão dos pecados… “Bem-te-vi”… “Bem-te-vi”… O
passarinho estava pousado na borda da canoa… Miguim?… “Bem-te-vi”… “Bem-te-vi”
A pescaria foi proveitosa, Leléco nunca dera lanço tão
bom, uma nova alegria tomava conta de sua alma humilde e as pessoas ficaram
maravilhadas quando passou pelo lagamar, pois na frente da canoa sem temer o
pescador um passarinho cantava:- “Bem-te-vi”… “Bem-te-vi”.
Gastão Ferreira
        
        

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