O DESPERTAR…

         Dito
Berne era o retrato do morador típico de nossa amada cidade. Manjuba seu prato
predileto, encantava-se com foguetes, participava de procissões, se esbaldava
em diversos blocos carnavalescos e em época de campanha eleitoral não perdia
comícios. Foi devido a um comício que sofreu um leve derrame cerebral.
         Os
candidatos se esmeravam na letra das músicas de campanha, pois era nas letras
que eles falavam de seus planos, das futuras realizações e pediam voto ao
eleitor. Dito, crédulo como só pode ser um eleitor iguapense, prestava atenção
nas propostas majoritárias e de repente passa um carro de som cantarolando; “É
mentira… É mentira… É mentira… É mentira… Não fez nada… Não fez
não… Não fez nada… Não Fez nada…” O mundo de Dito Berne apagou.
         Os
familiares imediatamente chamaram uma ambulância e Dito foi levado a Pariquera,
cidade onde nascem todos os filhos de Iguape, entrou em coma profundo e assim
permaneceu por três anos. Acordou no ano de 2015, saudável e saudoso de sua
querida cidade, seu irmão, Beto Berne, foi buscá-lo no hospital.
         No
caminho de volta ao lar a conversa era amena. Ficou sabendo do casamento do
irmão e do nascimento do sobrinho; – “Parto normal?” perguntou Dito.
         – “Sim,
o novo e moderno hospital construído no Rocio dispõe de uma excelente
maternidade!” disse o irmão.
         – “Ora,
veja só! Então finalmente temos uma Saúde de primeiro mundo…” murmurou Dito
Berne.
         – “O
hospital é imenso… Na verdade estamos com falta de pessoal especializado, tem
até mesmo uma ala para recuperação de drogados…” informou Beto Berne.
         – “Nem
tudo pode ser perfeito, não vejo a hora de passar pela Barragem, aí sim
acreditarei que estou em casa…” disse Dito Berne com o olhar saudoso.
         – “Lamento
informar que a Barragem não mais existe, agora temos uma linda ponte, a Ponte
da Oncinha, ligando o centro da cidade ao bairro do Rocio… Está situada entre
o Porto da Balsa e o Mario Ferros…” informou Beto.
         – “Mano
Betico! Acho que você errou o caminho… Vejo lá na frente muitos edifícios…”
falou preocupado Dito Berne.
         – “São
as novas edificações de dez andares e todas possuem elevadores panorâmicos…
Os turistas pagam para desfrutar da belíssima paisagem vista do alto dos
prédios…” informou orgulhoso Beto Berne.
         – “Meu
Bonje! Estou ficando louco. Estou vendo um disco voador!…” gritou angustiado
Dito Berne.
         – “Calma
maninho! Aquilo é o bondinho do teleférico…” riu Beto Berne.
         – “Que
beleza! Então o candidato a vereador cumpriu a palavra?” indagou Dito.
         – “Todos
os vencedores cumpriram o prometido… O velho prédio da Matarazzo virou um
centro de lazer, com salas para diversos cursos, salão de cinema, biblioteca,
infocentro, aulas de dança e ginástica para a terceira idade… No prédio da
Pirá construíram uma Rodoviária, em conjunto com Ilha Comprida. De lá partem
micro-ônibus para todos os bairros rurais… A Fonte do Senhor foi terceirizada
e conta com vigilantes, um bar e restaurante que serve comida típica caiçara…”
informou Beto.
         – “Realmente
estou assombrado! Em apenas três anos a cidade sofreu grandes modificações e
olha que eu não botava fé nas propostas… Recordo que assisti a quatro
comícios e estava um tanto indeciso… Lembro-me de três candidatos, o garotão
que prometia que “chegou a hora e a vez da mulher iguapense”, um que traria
cursos profissionalizantes e outro que garantia uma devassa geral nas contas
públicas e a chegada do progresso… Afinal quem venceu?” perguntou Dito Berne.
         Nesse
exato momento quando Dito Berne finalmente descobriria qual o candidato
ficha-limpa, ético, honesto, trabalhador que conquistara o mandato, um grupo de
jovens frequentadores de Opens-bar fechou a pista exigindo a proibição de a
velharada andar no centro histórico… Centenas de pedintes com cartazes “nóis
é gente e quer respeito”, entraram em atrito e sobrou pancadaria.
         Dito
Berne comentou com o irmão; – “Nem precisa me dizer quem venceu… Iguape é
única e eu amo esta cidade… Só em Iguape mesmo! Meu bonje! Estou em casa.”  
Gastão Ferreira/2012

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