O CICLONE…

         Cresci na crença de que o Brasil era uma terra abençoada por
não ter furacão, ciclone, tsunami, terremoto. Na metade do século passado se acreditava
piamente nisso ou talvez o povo estivesse tão ocupado criando o país do futuro
que não notava que tais fenômenos ocorriam com denominações diferentes. Pé de
vento, vendaval, enchente, rodamoinho, etc.
         Hoje, nos tempos modernos, a coisa é bem diferente, a
notícia chega via internet e não mais a cavalo como no tempo de Dantes… Foi
assim que o aviso nos atingiu; – “Grande ciclone anti tropical se aproxima da
costa, evacuem a área.”
         Um pessoal que achava que evacuar a área era fazer coco na
beira da praia foi retirado às pressas da beira mar. As atentas autoridades já
sabiam com antecedência da possibilidade de ocorrer o fenômeno, pois em suas
viagens para degustar Ostras em locais longínquos e nas visitas constantes a
outros Estados para aprenderem como fazer a reforma de prédios tombados,
manterem calçadas limpas e combater corretamente a Dengue, foram informados da probabilidade
de ocorrer tal evento.
         Preocupados com a população e para não criar tumulto, as
honestas autoridades iniciaram, na moita, um exaustivo trabalho muito criticado
pelos imbecis que só enxergam pilantragem e super faturamento em obras
públicas, o que é uma mentira deslavada, pois a honestidade tem nome, sobrenome
e mãos limpas. Nossos líderes mandaram tosar as árvores das praças e ruas, limparem
a orla do mangue, pelar a Beira do Valo, ou seja, abriram corredores à passagem
do vendaval, a fim de amenizar os possíveis estragos. Eis a razão do porque de
quando o bicho se aproximou, a cidade estava pronta para recepcioná-lo sem
vítimas.
         Quando a fatalidade se aproximou, uma imensa nuvem negra cobriu
os céus, as montanhas foram atingidas por milhares de raios e um relâmpago
solitário marcou com sua inútil presença o cenário dantesco. As placas de
bronze das estátuas foram trancadas em cofres seguros, menos a placa
comemorativa da visita de Albert Camus a cidade, preservada alhures pelo
meliante anônimo que a furtou. O passeio da nova ciclovia foi coberta com
plástico para que não ocorressem rachaduras na recente e ótima pavimentação.
         Uma parte da população foi abrigada no Estádio Mangueirão, obra
faraônica legada à posteridade. Sinônimo de competência e probidade das
autoridades aos eleitores que a elas confiaram o destino e o cofre do
município. Muitas pessoas se trancaram em igrejas e ofertaram suas santas almas
a Deus, outras se reuniram nos clubes e entregaram suas almas pecadoras ao
demônio, e alguns corpos permaneceram nos bares e botecos, pois queriam morrer
literalmente torrados. No Mangueirão, a alimentação foi providenciada com
esmero, afinal, talvez fosse à última refeição desta vida. A um grupo de amigos
do peito, foram servidos os melhores vinhos, uísque importado, caviar e
champanha, Tainha na folha de bananeira, Robalo na grelha e um peixinho muito
raro e caro chamado de Manjuba. Os pobres se fartaram de comer churros e
cachorro quente com k-suco. No final, o Zé-povinho pagou a conta de toda a
comilança alheia sem reclamar, beijando a mão das autoridades em agradecimento a
acolhida segura no moderno estádio.
         Um telão foi montado no interior do estádio para acompanhar
o deslocamento do Ciclone, um famoso radialista, formador de opinião na sua
própria opinião e no momento sem nenhuma opinião, agradeceu a presença das
autoridades, citando o nome de um por um dos mandantes, pedindo uma salva de palmas
dos presentes às ilustres figuras, assim também se referiu a cada comerciante junto
com o slogan do estabelecimento e saudou o povão; – “Meus queridos ouvintes e
ouvintas…”
         Uma pessoa muito amada na cidade e conhecida por sua
honestidade, fino trato e esperteza, educadamente arrancou o aparelho das mãos
do formador de opinião e acabou com a festa; – “Aí galera! Vocês aí do
sanduiche! Podem voltar para a sua vidinha miserável que o Ciclone desistiu de
atacar a cidade. Conto com vocês na próxima eleição… Não se esqueçam do que
fizemos por todos vocês no dia de hoje… Uma mão lava a outra e na saída paguem
os lanches sem reclamarem, caiam fora imediatamente, desocupem a área… Os
demais amigos, favor se acomodarem nos ônibus que os levarão ao “Recanto dos
Urubus” para comemorar a desistência do Ciclone.”
Observação:- O texto é ficção.
Nossa próspera cidade continua confiante no futuro. Com ciclone ou sem clone.
Gastão Ferreira
        
        

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