NOITES DE SARAUS…

         Um Sarau
era um dos eventos mais importante do século XIX. Acontecia nas casas mais
abastadas, geralmente à tardinha ou logo após o anoitecer. O termo se origina
do latim, seranus, de onde se conclui que desde a antiguidade os amantes das
artes, da poesia, da música, da literatura aproveitavam tal ocasião para
mostrarem sua criatividade.
         Em 1835
em nossa cidade, os que possuíam eiras e beiras costumavam reunir a fina flor
da sociedade em flor para curtirem um bom Sarau. As gentis dondocas se
perfumavam, colocavam ouro em pó nos cabelos, colares de pérolas no alvo colo
de cor trigueira, brincos de diamantes nos devidos lugares e após dar uns bons
tabefes na mucama de plantão se dirigiam castamente ao palacete onde ocorreria
a festinha.
         As donzelas,
assim chamadas por serem mini-dondocas em constante aprendizado na arte de
caçar maridos ricos, também se enfeitavam para a solene apresentação. Passavam
o dia todo treinando lânguidos suspiros, olhares marotos, caras e bocas e
chistes graciosos para impressionarem as possíveis vitimas de sua estonteante
beleza espiritual e física. Usavam espartilhos, anquinhas, longos vestidos que
as cobriam até o tornozelo. O grande lance da noite era mostrarem, sem querer
querendo, um pedacinho da perna, um dedinho do pé… Os mancebos, os
pós-adolescentes da época, se babavam com a pequena amostra do produto, coisas
do século XIX!
         O Sarau
de Dona Mariquita Bernardes Souza e Silva era o mais concorrido, alem dos
ricaços da cidade, os mandachuvas sempre compareciam e era um beija mão
constante. Um rapapé esnobe com direito até a visitante de outras freguesias,
desde que fosse político, chefe de alguém da localidade ou um futuro cabide de
emprego. Nesse Sarau quem brilhava era Leonice de Oliveira Sampaio, viúva
emérita do Coronel Bento Benedito Sampaio, apelidado Seu Bembem, por que
possuía muitos bens e muitos amores. Sinhá Nice, também conhecida na alta
sociedade como a Voz de Ouro, Cotovia Solitária e pela ralé como Viúva Negra,
Lábios de Mel e Loba Faminta era um tanto fanhosa, mas sua grana a tornava uma
pessoa maravilhosa e sem defeitos para os puxas sacos de plantão.
         No Sarau
em questão se apresentavam violeiros, cantores, sanfoneiros, capoeiristas, trovadores
e menestréis… Um vate não pode apresentar sua poesia, estava mal vestido. Pediram
para a Voz de Ouro declamar o verso singelo. A Loba Faminta analisou o texto e
do alto de sua fina educação informou à plateia que na verdade um texto não tem
importância. O que interessa é a voz de quem declama… Um gaiato pediu que a
diva então declamasse palavras do dicionário e jogasse o texto no lixo. Outro
menos satírico concordou e solicitou que a Cotovia Solitária declamasse com sua
maravilhosa voz uma quadrinha que estava fazendo o maior sucesso, conhecida
como; – “Batatinha quando nasce…”
         O Sarau
de Dona Mariquita Bernardes nunca mais foi o mesmo. Quem entendia do riscado
deixou de mandar seus escritos. Os violeiros não mais permitiram que Voz de
Ouro interpretasse suas canções. Foi assim que acabou a “Era dos Saraus” e mais
uma vez a arrogância e a burrice venceram.
         Na
segunda década do nosso século os Saraus Literários estão resurgindo com força
total… Os poetas, os escritores, os músicos e os violeiros mostram em público
e ao público sua criatividade. Fruto de muito suor, muito pensar, muito
trabalho intelectual. Tomara que nenhuma Voz de Ouro, Cotovia Solitária ou Loba
Faminta jogue merda no ventilador e acabe novamente com tudo. Os tempos são
outros, as pessoas evoluíram… Aplaudem e vaiam… Coisas do século XXI!
Gastão Ferreira/2013
        
           

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