CONTO INFANTIL – DIA DE POBREZA
         Um belo dia, num reino não muito
distante, o educado e tolerante rei, e, a simpática e animada rainha resolveram
visitar o que julgavam ser sua propriedade pessoal, com a finalidade de
mostrarem aos jovens príncipes seu futuro feudo.
Disfarçaram-se. A esbelta rainha com uma cafona
bermuda GGG e o restante de camiseta, bermudão e chinelos de dedos, saíram
assim vestidos para não serem reconhecidos pela gentalha e também para evitarem
os lambe lambes, oba obas e pede pedes. Estavam tão bem fantasiados que nem
mesmo a duquesa Florisbela, a primeira e única amiga da rainha a reconheceu. O
que a soberana achou ótimo, pois assim poderia pelo menos por algumas horas
ficar livre de sua sombra, digo, amiga.
Contrataram um guia turístico, arrumaram a cesta de piquenique
e lá se foram numa velha carruagem alugada a desfrutarem as belezas do reino
rico e magnífico.
A primeira parada foi na praça principal. Ao
estacionarem a carruagem, uns cinco mendigos, todos alcoolizados, se ofereceram
para tomar conta dos veículos e dos cavalos. A simpática rainha escandalizada com
o comportamento dos ditos cujos, ou porque jamais imaginara que em seu tão
afamado reino pudesse existir pedintes, ou talvez por seus estranhos e
penetrantes perfumes, disse: – Não!
Um deles tascou um beliscão no cavalo que lhe
respondeu com um belo coice. Outro riscou a porta da carruagem, e, então o bem
amado e salve-salve rei, disse: – Sim! Podem cuidar do veiculo.
Um dos príncipes era extremamente observador e foi
logo dizendo: – Papi! Olhe quanto lixo na calçada, que povo mais porco! Ao que
automaticamente o outro príncipe pôs no bolso o saquinho vazio de biscoito que
estava petiscando e já ia jogar na rua.
O amável rei queria ver tudo, mostrar tudo e foi logo
ordenando ao guia trabalhar duro. O guia que nem desconfiava que o personagem
tão arrogante e brutal fosse seu soberano, humildemente informou: – Temos que
contornar a praça e descer por aquela viela, pois a Rua Veneza esta alagada
como sempre. A inteligente rainha que sonhava desde princesinha em passear de
gôndola, queria porque queria desfrutar da Rua Veneza, no que o bom guia
informou que a rua na realidade não tinha esse nome, que era apenas um apelido
carinhoso com que o povo se referia a mesma, pois bastava uma chuvinha para
alagá-la.
Um dos príncipes, para testar o ótimo humor paterno,
perguntou: – Mas o rei não manda arrumar a rua? Ao que o guia respondeu: – O
sublime monarca não se preocupa com ninharias, apesar de todos os proprietários
estarem estudando a possibilidade de abandonarem seus prédios, pois ninguém os
quer comprar devido à calamidade que os deprecia. E tentarão construir no local
um piscinão, que batizarão com o nome do divino monarca para homenageá-lo.
A simpática rainha, antes que desse um saricotico em
seu amado esposo, mudou de assunto e pediu para ver a famosa e limpa orla
marítima, no que foi prontamente atendida.
O príncipe observador ou chato foi logo apontando: –
Nóóóssa quanto peixe! Deve ser uma revoada de tainhas! O guia como sempre atento
corrigiu-o na hora: – Não é um cardume de tainhas, mas sim um alegre grupo de
sacolas plásticas que resolveram conhecer o Oceano.
– Como assim? Retrucou o exótico príncipe.
– É um costume local jogar sacos de lixo na água. Aliás,
ali também jogam sofás, cadeiras, camas e outros objetos velhos, cacarecos como
dizem.
– E o rei não faz nada?
– Ora sua poderosa e viajada majestade é por demais
ocupada para cuidar de bobagens.
– Bobagens! Sujar a água que é fonte de sustento de
pescadores!
– Pois é! Mas quem suja a água é a plebe e no meio
dela deve ter muitos pescadores.
– Que vergonha! Disse o príncipe eco-chato.
– Sim! Uma vergonha, porém, o celeste monarca não tem
culpa. As carruagens coletoras de lixo passam diariamente executando sua
função.
Resolveram fazer o primeiro lanche do passeio. Quando
retiraram os deliciosos petiscos reais, alguns moleques que por ali se
divertiam, pararam extasiados e pediram sua cota no festim, no que a astuta
rainha, sempre a mais exaltada e curiosa foi logo indagando se estudavam, tinha
pais e mães. Deram à resposta padrão, pais ausentes, fome, etc. A rainha teve
seu décimo chilique do dia: – E o conselho tutelar! Cadê? Cadê? Na hora de
pedir votos são tão devotados! Mas depois é esse descaso! Os meninos deram uma
gostosa gargalhada, passaram a mão na cesta de piquenique e saíram correndo.
A bondosa e calma rainha teve seu décimo primeiro
chilique do dia: – Policia! Policia! Ao que o gentil guia a explicou: – Com
crianças e adolescentes não adianta chamar a policia, pois nada podem fazer,
graças a um tal de estatuto, de quem todos por o desconhecerem na íntegra tem
medo.
O piedoso casal real e os príncipes, sem a cesta de
lanches resolveram voltar à praça principal. Qual não foi a sua imensa surpresa
ao constatarem que a velha carruagem havia sido depenada e os cavalos tinham
virados churrasquinhos de gato. Voltaram a pé ao palácio, maldizendo o povinho
sem educação e sem princípios. Foi o dia de pobreza do rei.
MORAL DA HISTÓRIA: – Cuidado! Por mais importante que
você se julgue, um dia a realidade mostra a cara.
GASTÃO FERREIRA/IGUAPE/2007

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