MEU PEQUENO MUNDO…

         Quando o
meu mundo era pequeno, eu sentava na soleira da porta espiando a rua. Era uma
estrada longa para meus pés infantis. Por vezes passava um cão abandonado. O
cachorro nem me notava, estava cuidando da própria vida, a procura de um osso
ou do seu dono que mudara de casa e esquecera de propósito seu melhor amigo.
         Lembro-me
das grandes árvores que margeavam o caminho, demoravam séculos para darem
frutos. A espera era longa e eu nem sabia que uma vez por ano era a época da
colheita. Os pássaros construíam seus ninhos nas ramadas, nos ocos dos troncos,
nos desvãos dos telhados, criavam seus filhotes, catavam comida que traziam de
lugares distantes e alimentavam a prole.
         Quando
as visitas chegavam, a conversa era para adultos e as crianças deviam brincar
no pátio. Encostava os ouvidos nas paredes tentando decifrar as novidades. Um
gavião desceu feito flecha e capturou uma cobra, uma égua pariu um potrinho que
em poucos minutos estava em pé e mamando. Precisava dar de comer ao leitão que
aguardava o Natal para virar torresmo, milho a meia dúzia de galinhas
poedeiras, descobrir onde foi à última postura e recolher os ovos antes que um
lagarto os descobrisse.
         Rachar
lenha para o fogão, tirar água do poço, encher a moringa, debulhar o milho,
escolher o feijão, fazer a lição de casa. Recontar os gibis para a troca
semanal frente ao cinema da praçinha. Brincar, nadar no riacho, correr muito,
comer, rezar, pedir a benção de boa noite aos pais… Dormir.
         O tempo
passou, o povoado cresceu. As árvores deram lugar a muitas casas, a estrada foi
asfaltada e tem um canteiro central com uma ciclovia. O fogão é a gás, frangos
só no supermercado e porco em cativeiro, nem pensar. No antigo pasto um
conjunto habitacional de alto padrão. Os gaviões e lagartos desapareceram. As
visitas só conversam por telefone ou internet. As crianças não brincam na rua,
têm medo de adultos, não se sujam, pegam viroses e as frutas não necessitam de
árvores para nascerem, agora vivem em bandos nas gôndolas das quitandas.
         Meu
mundo cresceu, ficou imenso. Descobri milhares de coisas, sei que o fogo foi
utilizado no planeta há um milhão de anos, que muitas civilizações surgiram e desapareceram
e que os romanos foram os únicos dos quais temos toda a história documentada.
Sei dos egípcios, dos gregos, dos chineses, dos aborígenes australianos aos
índios que cortam e encolhem as cabeças dos inimigos nas selvas da Venezuela.
Sei das galáxias distantes, dos mares, dos rios, das montanhas, das cidades,
dos homens que matam homens por discordarem da cor da pele, da religião, das
suas ideias. Sei dos que se viciam e dos que ajudam os semelhantes, dos que
rezam e odeiam com o mesmo fervor. Sei dos risos e das dores, das perdas, dos
que partiram e chegaram… Vivi!
         Hoje, tão
longe dos meus campos natais, olhando do terraço de minha casa vejo um gavião a
perseguir pombos entre as torres da igreja, ouço seu grito de guerra e lembro-me
do menino na soleira da porta, a esperar pela vida, pelos sonhos, pelos muitos
caminhos que desconhecia. Uma nostalgia de coisas passadas, saudade do que
ficou a margem das estradas, melancolia pelo que deixei de fazer, dos muitos
medos, da coragem de enfrentar desafios e noto constrangido que meu mundo
novamente é pequeno.
Gastão Ferreira/2012/Iguape-SP  

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!