MARIA MADALENA

         Meu nome
é Maria Madalena, o mesmo nome da melhor amiga de Nosso Senhor… Quando eu era
uma garotinha ganhei duas bonecas, uma chamava-se Maria e a outra Madalena.
Algo
que nunca contei é que elas se detestavam. Méri
começou por arrancar o cabelo da Madá, alguns dias depois Madalena quebrou as
perninhas de Maria e no final da desavença restou um monte de cacos
despedaçados.
         Faz um
bom tempo que estou nessa sala, hoje conversarei com um psicólogo… Coisas
estranhas aconteceram na escola, na verdade nem sei de nada! Semana passada um
garoto desapareceu, acho que foi sequestrado… Encontraram o coitado no mato,
pernas quebradas, escalpelado, sem os dois bracinhos.
         Meu
primeiro e único animal de estimação foi um cão chamado Satã, um nome terrível
para alguém que dormia aos pés de minha cama… Cortaram o rabo de Satã, depois
as orelhas e também as patinhas. Morreu olhando para mim e eu acabara de
completar quatro aninhos.
         Escutei
vovó contar a uma tia que quem fez a judiação com o Satã foi eu… Que mentira!
Ainda bem que vovó caiu da escada e morreu. Finou-se olhando dentro dos meus
olhos… Fui à igreja rezar e na volta encontrei mamãe desesperada; – “Que bom
que você não estava em casa Madalena, aconteceu uma coisa horrível… Vovó
Matilde tombou da escada, bateu com a cabeça e faleceu sem ninguém para
socorrê-la… Você tão criança ficaria traumatizada para o resto da vida se
tivesse presenciado a queda…” Pobre mamãe!
         Tia
Glória, a tia fofoqueira, que ficava dando atenção às falsas acusações de vovó
ficou desconfiada, fomos tomar um lanche e ela me crivou de perguntas… Chorei
e ela foi ao banheiro buscar um papel toalha para secar minhas lágrimas, quando
voltou mal acabou de tomar o seu suco de laranja, caiu durinha… O suco
continha veneno para ratos! A lanchonete foi multada e fecharam suas portas, a
família ganhou uma fortuna de indenização.
         Juca, o
garoto esquartejado, não era meu amigo… É verdade que sempre conversávamos,
dizia que era meu namorado, queria um beijo, pegar na minha mão… Sou uma
menina correta, rezo muito, quero ir para o céu… Jamais cometi um pecado…
Conheço o local onde encontraram o corpo mutilado do Juca. É o mesmo onde
enterraram os pedaços de meu amado cãozinho Satã e o vidro com o veneno de
ratos.
         Fui a
última pessoa a ver Juca com vida. No recreio ele tentou me beijar, levou um
tapa na cara… Na saída da escola me acompanhou, pediu desculpas… Contei que
eu tinha um segredo… Conhecia um lugar secreto na mata onde havia uma pequena
cachoeira… Quis conhecer, pediu, por favor! Suplicou. O matagal fica bem
atrás de minha casa, é meu refugio, o local onde escondo meus brinquedos
velhos, a navalha que encontrei nos pertences de vovô Honório, uma faca bem
afiada, cordas, tesouras, restos dos remédios de mamãe, seus medicamentos para
insônia… Passatempos de menina!
         Como os
meninos são curiosos! Meu nome é Maria Madalena, o mesmo nome da melhor amiga
de Nosso Senhor, juro que sou incapaz de cometer um deslize… Li que ela foi
uma pecadora, arrependeu-se, está junto de Deus… Tenho dez anos e uma longa
vida pela frente, não será um psicólogo que desvendará meus poucos segredos,
alias, nem sei o que faço aqui a esperá-lo, ele não virá! Quando passei frente
a sua casa notei que um desconhecido mexia no freio de seu carro, com tanta
subida e descida, acho que ele sofrerá um acidente fatal, coitado do psicólogo!
Tão moço e tão preocupado comigo.
M. Madalena
Gastão Ferreira/2012
          

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