A VIDA E O TEMPO

            A velha espiava pela janela e a Vida era uma criança. Uma
menina de longas tranças, num vestido cor de rosa com uma flor nos cabelos…
Sorria. Nesse tempo a dor não existia, o mundo era um lugar mágico com muitas
fadas no jardim. No quintal de árvores antigas os passarinhos faziam seus
ninhos, contavam histórias entre si e voavam longe trazendo novidades. Falavam
do Bugio que gritava na montanha e carregava nas costas seus filhotes, do bicho
Preguiça que tinha esse nome porque era vagaroso, da Anta que assustada corria
derrubando o que encontrava pela frente, do grande gavião chamado Harpia que
era o rei das aves.
            A velha cochilou e ao abrir novamente os olhos, a menina
Vida era uma mocinha. Seu coração sonhava… Um príncipe encantado estava a chegar.
O que a menina moça não sabia era que todos os príncipes foram para a guerra
matar o Dragão da maldade e nenhum conseguiu voltar, os que se diziam príncipes
mentiam, eram ladrões de corações, enganavam as donzelas, davam o golpe do baú.
            Num piscar de olhos o tempo passou, a mocinha sonhadora
era uma senhora de preto, faces macilentas de quem muito chorou, carregava três
filhos pela mão. Não era viúva, o marido foi embora com uma ricaça, nem se
despediu simplesmente a abandonou, agora para alimentar os pequenos lavava
roupas para fora, fazia arrumação, qualquer serviço era bem vindo e a molecada
tinha fome igual a bicho carpinteiro.
            A mulher na janela sorriu… Agora quem estava velha era
a outra, a abandonada, a que encontrou o príncipe errado e pagou o preço em
fome e solidão. Um filho se perdeu, a droga o venceu. O outro filho morreu num
assalto e a filha toda perfumada ganhava a vida com a beleza que Deus lhe deu,
nem sequer olhava quando passava pela mãe.
            Hora de fechar a janela. Na praça a Vida agonizava, sua
amiga efêmera a Beleza há muito a abandonara, outra amiga chamada Juventude
marcou breve presença num passado esquecido. A Tristeza, a Solidão, a Angustia,
a Fome e o Desamparo deram lugar às irmãs Saudade e Lembrança que a confortaram
quando a Morte chegou. 
            A Morte tomou a Vida pela mão. A velha fechou a janela,
arrastando os rotos chinelos, abriu a porta e a Morte falou:-“ Tempo! Estou
trazendo essa criança que é sua filha, não posso entrar em sua casa, cuide bem
dela… Dê-lhe o seu amor!”
            Quando a velha trancou a porta, transformou-se em
criança, ela era o Tempo sem idade. Foram para o jardim nos fundos da casa:-
“Voltei ao meu lar! Disse a Vida. Sou uma menininha… Estou na casa de meu
Pai.”
Gastão Ferreira
           

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!