JAMAIS SABEREI

         Onde eu
dormia havia muitos sonhos; – Correr pela branca areia da praia, catar
conchinhas ao amanhecer, encantar-se com um por de sol a beira mar. Ouvir o som
do vento chamando o oceano. Escutar o cantar dos pássaros, o suave ronronar de um
gato, partilhar do afeto espontâneo de um cão. Colher no pé a fruta madura,
escalar árvores, espiar nos ninhos o surgir da existência.
         Você
nunca saberá de minha ingênua inocência, do milagre do primeiro choro, do susto
que foi a perda de meu primeiro dente de leite… Tantas primeiras experiências
que jamais acontecerão! Nunca haverá para mim uma primeira vez! Ninguém me
contará histórias, não saberei do sol, da lua, das estrelas do céu. Não
conhecerei as sereias, o Saci, o Curupira, os Elfos e os Gnomos… Não viajarei
com Simbad, o marujo… Não conhecerei Homero nem Heitor, o domador de cavalos
e príncipe de Tróia… Não saberei quem foi Odisseu, Aquiles, os deuses
olímpicos… As Fadas Madrinhas não embalarão meu berço.
         No meu
sonho eu me via como um velho amigo ansioso para reatar o convívio antigo,
alguém para dividir alegrias e dores, momentos felizes, momentos de tristezas,
de lágrimas e de risos… Momentos inesquecíveis e momentos para esquecer. Eu
seria um arrimo para as horas de solidão, essa fera faminta que come a alma dos
homens. As possibilidades eram infinitas… Eu poderia não ser ninguém, um
estorvo, um bandido, um fardo constrangedor… Eu poderia ser o que bem quisesse…
Um médico, um pescador, um pedreiro, um doutor, ou, simplesmente uma honesta e
humilde pessoa carregada de sonhos.
         Dentro
de mim, qual semente dormia todas as realizações… Contando com a tua mão
amiga e o teu exemplo, eu transitaria entre a treva e a luz, faria minhas
próprias escolhas, tentaria desesperadamente ser feliz… Ser um santo ou um
pecador… Eu poderia chorar todos os dias ou gargalhar escandalosamente. Ser
extrovertido ou tímido, um poeta, um semeador, um artista de circo… Milhares
de opções se perderam em mim… Todas negadas, todas abortadas.
         Jamais
saberei a cor do firmamento ou de como brincam as fugidias nuvens. Não verei a
beleza de um pássaro no ar, o rugido de uma fera, o brotar de uma flor… Não
levarei um tapa na cara e nem um beijo na face… Não dividirei um olhar
apaixonado, um gesto de afeto… Não conhecerei a vilania, o desdém escondido
entre sorrisos falsos, nem a grandeza e nuances da alma humana.
         Não! De
tudo isto jamais saberei. Não provarei comidas exóticas nem beberei em fontes
cristalinas. Não conhecerei o frescor da manhã, a tepidez da tarde, o esplendor
de um céu estrelado. Nem ódio nem amor farão parte de mim… Jamais sentirei
teus beijos, o conforto de teu abraço, o brilho dos teus olhos, o aperto seguro
de tua mão… Nunca ouvira de meus lábios a mais doce de todas as palavras; –
Mamãe!
         Eu fui
abortado e me perdi no eterno sonho do não ser.
Gastão Ferreira/Iguape/2013 

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