“GUDI BAI”- ANIVERSÁRIO

            Esse foi o melhor aniversário do qual não participei. A
velha senhora ficou na maior solidão, também está um caco… 471 anos. Quando
casei com seu papai herdei a múmia, era o preço à ser pago pelo golpe do baú…
Velha caquética! Quantas falsas lágrimas tiveram de serem derramadas em
público? Quantas juras de eterno amor pronunciadas com a consciência pesada?Oh!
Quanto riso… Quanta alegria nas reuniões secretas em sítios e recantos
particulares junto a meus verdadeiros amigos, os que me deram de mão beijada a
possibilidade do casório!
            A velha é rica e muito mais agora que foi tombada…
Oh!… Oh!… Oh!…Já conheci metade do país a suas custas. Seus filhos, a
infeliz é mãe solteira, vivem a reclamar, mas qual o filho que não está sempre
a reclamar da mãe:- “Mamãe! Onde ponho o lixo?”, “Mamãe! O telhado caiu.”,
”Mamãe! Onde estão os remédios?”, ”Mamãe! Eu quero arrumar trabalho e a senhora
nem prá me ajudar.”… Nem ligo! Afinal só eu tenho a chave do cofre, apesar de
alguns desafetos afirmarem que muitos têm a cópia da chave… Hi!…Hi!…Hi.
            O pai da velhota mora longe e temos muito em comum. Um
homem encantador, de uma honestidade incontestada, gosta de viajar, de mimosear
amigos com mensalões, mensalinhos e cargos. 
Tenho inveja de uma coisa, ele tem as mãos mais limpas do que as minhas
também só tem nove dedos. Outra coisa que temos em comum é essa maneira tão
nossa de possuir bons amigos. Amigos incorruptíveis, humildes, sem ganância,
sem pose… Ah! Meus amigos. Donos do meu amoroso coração, que Oxalá nosso pai
jamais permita uma separação.
            A velhota anda desconfiada, está em plena crise
existencial, 471 anos e ainda não aprendeu a viver! Por mim que se dane! O
importante é curtir a vida. Noooossa! Eu nem imaginava que no mundo existiam
tantos locais luxuosos, hotéis maravilhosos, comidas tão saborosas e caras! Um
potinho de um tal caviar sai mais caro que o salário de um professor…
Escargot, sopa de barbatana de tubarão chinês, algas tailandesas, ovos de
estorninho… Champanha!… Sim a verdadeira, a francesa!… Uma garrafa quase
o preço de uma ambulância.
            Nos locais por onde meu “petit comitê” passa deixamos
saudades e muito dinheiro… Ah! Esses meninos. Tão pândegos! Se sentem em
casa… Falam alto… Batem na mesa para chamar o garçom, uns palavrões básicos
para mostrarem a fina educação, alguns chiliques que ninguém é de ferro e para
quem não pode passar sem dar um vexamezinho em público uns namoricos para a
coleção de corações despedaçados.
            Realmente jamais irei esquecer esse aniversário de minha
enteada. Duas Vans lotadas, festas e mais festas e a velhota sentindo a minha falta:-
“Mamãe! Mamãe! Por que me abandonou?”… “Eu não te abandonei meu tesouro!
Mamãe foi contra a vontade cuidar dos teus interesses… Ah! Querida. Essas
viagens são tão cansativas e você reclama do meu sacrifício, quanta
ingratidão!”… ”Mamãe! Eu posso ser burra e velha, mas ainda não sou cega.”…
“Relaxa amor! Você não vai se livrar de mim tão fácil.”“Oh! Mamãe. Oh! Mammy.”
            Ano que vem caso não me separe do pai da velhota, por
motivos alheios a minha vontade, eu e meus amigos estaremos em Nova York… Já
comecei a aprender inglês… Os trouxas pagam e nós aproveitamos:-”Gudi bai mai
pipol”.
Berenice Emilia Tancredo
& Silva
Obs: Trechos de um diário
encontrado no lixo no ano de 2.379 DC. Os historiadores estão tentando definir
se é um texto fictício ou real. Uma senhora com 471 anos de idade?Uma moça de
família dando o golpe do baú?Pessoas curtindo a vida com o dinheiro alheio?
Amigos que se aproveitam de uma amizade? Onde está a ética?Onde está a moralidade?Quem
foi Berenice Emilia Tancredo & Silva?Será que essa pessoa existiu
realmente? Será que no passado tal fato era comum?Oh! Quantas dúvidas que
jamais serão esclarecidas!Para mim que transcrevi é pura ficção, não é
carapuça, aliás:- O que é carapuça?
Gastão Ferreira

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