“FIM DE MUNDO”

            Fim de Mundo é uma cidade tão antiga quanto o
descobrimento da América. Todos os períodos históricos deixaram suas marcas nas
ruas, nos casarões, no povo. Igual a certo país, também ela está deitada
eternamente em berço esplêndido. O grande problema de Fim de Mundo é que ela
teima em não crescer. Quer ser tratada como uma criança birrenta, mas não passa
de uma velhinha muito mimada. Faz questão de ser apelidada por diminutivos,
tais como, princesinha, fofinha, lindinha, sem se tocar que é apenas uma anciã
com o pé na cova. Ninguém tem coragem de encarar a realidade e chamar Fim de
Mundo a razão.
            Tudo em Fim de Mundo é diferente. Quando uma pessoa quer
dizer que algo é muito, muito feio, ela fala:- “Bonito que é!” ou se a coisa é
linda por demais:- “Feia hem!”. Os antropólogos queimam os neurônios, mas não
chegam a nenhuma conclusão quanto a esse comportamento popular. Em Fim de Mundo
é aceitável e tido como normal que uma rapariga que faz parte de vários
Conselhos saia pelada no carnaval, tenha um comportamento um tanto devasso e obtenha
por escolha pública, o direito de aconselhar jovens e adolescentes sobre
moralidade.
            Fim de Mundo é o único lugar em que um cidadão com
diploma universitário mata um animal a pauladas e culpa o veterinário pela
morte do bicho e todos se calam por medo de retaliações ou rompantes do
assassino psicopata. Um lugar onde pessoas idosas ou jovens falam palavrões escatológicos
em público e muitos acham lindo tal comportamento e aplaudem. Um lugar onde os
pais fazem fila para esperarem os filhos pequenos em porta de escola e depois
os soltam até altas horas da noite pelas ruas ou locais ermos, sem a mínima
preocupação com o que os infantes aprontam ou deixam de aprontar.
            Os concorrentes a cargos eletivos, em período pré
eleitoral, são os seres mais simpáticos e humildes criados por Tupã… Possuem
a solução de todos os problemas, dão tapinha nas costas, pagam bebidas e
churrasquinho de gato para qualquer um, oferecem dentaduras para banguelas,
bola de futebol para a molecada, carona para quem perde a condução. Os não
eleitos, a partir da apuração viram a cara, param de cumprimentar, se tornam
egoístas. Mal educados esquecem que no futuro terão de encenar a mesma peça
novamente. Ah sim! Os eleitos também agem iguais aos perdedores, com o
agravante que passam a se sentirem semideuses e a não dever satisfação de seus
atos a quem os elegeu.
            Os ocupantes de cargos de confiança, pessoas que nunca
passaram pelo crivo da escolha popular, querem mandar mais que os eleitos para
representarem o povo. Em vez de mostrar serviço preferem perseguir desafetos,
humilhar os que não fazem parte do seleto grupo dos que vivem com o dinheiro de
impostos dos contribuintes. Tal comportamento é aceito sem contestação e
coitado de quem reclamar, passa por vexames e baixarias sem ter a quem
recorrer. Quando perdem os cargos de confiança, essas pessoas se revoltam,
xingam os antigos amos e aderem a novos senhores que garantirão seu futuro,
caso um dia ocupem o trono.
            Assim é Fim de Mundo. Uma pacata e sossegada cidadezinha
no fim do mundo, um lugar onde tudo pode acontecer, um ambiente onde gato e
lebre se confundem numa boa, onde joio e trigo se entendem as mil maravilhas,
onde brancos e negrões fazem juntos seus cocôs e negam que os tenham feito,
onde Tamanduás e Formigas são amigos de infância, onde ladrão dá uma de
honesto, o pescador pesca, o pintor pinta, as garotas sonham, o pecador peca, a
beata pensa que é santa.
            Quem conhece Fim de Mundo se encanta com suas belezas
naturais. Seu povo generoso faz questão de falar de tudo e de todos, sem papas
na língua, quando gosta, gosta e quando não gosta se mostra distante e indiferente.
Defende seu pedaço de chão com exagerada paixão, mas se dá o direito de baixar
o sarrafo no estranho que difamar a cidade. As pessoas são gentis, adoram se
cumprimentarem entre si e sabem mais da vida dos outros do que de sua própria.
Seus jornais são as velhas que ficam dia e noite nas janelas, vendo a vida
passar para contar a vizinha ou a comadre as novidades. Os desocupados sentam
pelas esquinas a cuidar dos que batalham o pão de cada dia. A fofoca anda de
mãos dadas com a realidade. Só quem conhece a fundo essa gente humilde e
humilhada sabe das dores que padecem, do sorriso fácil ao reconhecer um amigo,
das histórias inventadas ao por do sol, do amor profundo que nutrem pelos
semelhantes sem saber que o possuem. A cidade perfeita para conhecer a grandeza
e a insignificância que habita cada ser humano.
            Assim é Fim de Mundo! Um cenário onde os homens representam
seus pequenos grandes dramas, suas comédias, suas tragédias. Apenas mais um
cenário na vastidão do universo, um sitio onde a Vida flui trazendo
experiências, renovação e sonhos… Um lugar onde tudo pode acontecer.
Gastão Ferreira/2011
Obs.- Fim de Mundo não
existe, é fruto de minha imaginação. Os cenários e personagens são fictícios…
É a minha cidade particular, o local para onde viajo em busca de inspiração.

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!