“BALA CERTA”

             Quando garoto, as
armas foram meus brinquedos favoritos. Posso manejar com perfeição desde um
arco e fecha a um canhão antiaéreo. Meu nome é Rodolfo, codinome “Bala Certa”.
            Tenho uma pequena dificuldade na leitura de jornais,
problema adquirido no ensino fundamental não concluído devido a uma professora
mal amada. Esfaqueei a desgraçada que cismou com minha cara, além de me
corrigir no que eu escrevia, sempre achava motivos para me expor ao ridículo
frente aos meus colegas de sala.
            Na Casa da Criança e do Adolescente fiz amizade com
todos. Paguei o que a Lei determinou. A vida da professora moralista custou
dois anos naquele albergue onde eu comia e dormia de graça. Hoje acho que foi
uma grande sorte ter matado a mestre na hora certa, pois como poderia aprender
o básico para sobreviver em uma escola decadente que só ensinava besteiras.
            Éramos intocáveis e a mídia sempre estava do nosso lado.
Considerados menores infratores, tínhamos médicos, dentistas, nutricionistas,
psicólogos, cama, mesa e alimentação grátis a custa do cidadão contribuinte que
vivia apavorado, com medo do ladrão.
            Meus colegas eram gente fina, um pessoal antenado com as
novidades. Fiz curso de trombadinha, passador de drogas, arrombador de
residência, seqüestro relâmpago e muitos outros. Foi nessa escola prisão que
aprendi o que realmente conta para sobreviver. Aos dezoito anos sai para a
liberdade, formado e com ficha limpa, eu estava recuperado.
            Aos vinte anos possuía um carrão roubado, jóias, roupas
de marca e muita grana escondida num buraco que fiz na parede do meu quarto, lá
na favela. Não podia morar num lugar melhor, pois como justificar um salário se
nunca trabalhei com carteira assinada. No futuro comprarei um apartamento de
cobertura com o dinheiro de um assalto maneiro.
            Comecei a viajar… Maconha nunca me fez mal. A cocaína
dá moral, mas esse tal crak vicia prá dedéu. O barraco desabou! Não sei como
aconteceu. Estou com vinte e três anos, morando na rua, comendo de favor.
Lembro de um tiroteio… Estava escuro, intimamos um cidadão a passar a grana,
cartão de crédito, a chave do carro. O cara reagiu, descarregou a arma em nossa
direção, fiquei ferido, desmaiei, mas ao despertar estava bem. Não sei como um
sujeito pacato, que por lei não pode andar armado teve aquela reação.
            Meu nome é Rodolfo, vulgo Bala Certa e não sei a idade
que tenho. Esse crak acabou com meus neurônios. Têm noites que noto vultos a
minha volta, alguns me estendem as mãos. A professorinha que matei me abraçou,
disse que a vida continua e que faz tempo me perdoou, que sem perdão ninguém é
feliz de verdade, que a primeira pessoa a perdoar é a nós mesmos, pois somos
todos crianças tentando aprender. Hei! Meu senhor. Preste atenção no que eu falo…
Estou contando a minha história… Que coisa estranha! Desde o acidente com o
cara que reagiu ao assalto no qual fui ferido, as pessoas parecem não me notar.
Alguma coisa ocorreu… A luz foi embora, é sempre escuridão. Ouço gritos,
gente pedindo socorro, muita oração. Deve ser efeito do crak ou quem sabe estou
vivendo noutra dimensão. Quando garoto, as armas foram meus brinquedos
prediletos. Meu nome é Rodolfo, apelido Bala Certa…
Gastão Ferreira/2010
           

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