OH! COMO SOFRE UMA PRINCESA.

            Consegui chegar aos 471 anos! Sei o que vocês estão
pensando:- “Nooossa que múmia!”… Pois estão enganados, eu sou uma cidade, uma
das filhas mais velhas do senhor Brasil e tenho muitas primas pelo mundo que
são realmente idosas. Roma (2.800 anos), Atenas (3.590 anos), Mênfis (5.150 anos)
Jerusalém (4.600 anos)… Viram? Perto delas sou uma adolescente.
            Meu problema é que papai Brasil nunca se importou comigo,
é um pai ausente e fui criada por desconhecidos que sempre dilapidaram meu
dote. Já possui muitas terras, tinha ouro para dar e vender.
            Fui uma garota fútil e caipirinha, também pajeada por
estranhos! Ficava emocionada ao ser apontada como Princesa… Princesa do
Litoral Sul! Que fofinha! Que tolinha!Que burra! E eu crendo que era verdade e
me achando a tal, até o dia em que descobri que não existia mais monarquia
nesse país. Como sofri! Enganada por tanto tempo, deitada em berço esplêndido e
acordada num cocho brigando com um berne… Oh! Vida.
            Papai Brasil nunca gostou de mim, talvez porque sou o
fruto de uma aventura juvenil com uma portuguesa ou espanhola, ninguém tem
certeza desse romance, sou filha de uma desconhecida. Fui abandonada no berço
na Vila Nossa Senhora das Neves do Icapára e ainda criança de colo me trocaram
de casa e a única lembrança do velho lar é uma cruz de pedra que está comigo
até hoje… Minha cruz!
            É verdade que papai ainda me paga uma pensão, uma mesada.
Uma meréca que nem sei de quanto é! Sua última esposa, dona Brasília, é uma descarada
e por ela eu estaria à míngua, comendo casadinho de manjuba e bebendo água da
fonte. A atenção que recebo dela é mínima, mas agora quer fazer uma média e me
tombou. Não?… Não me derrubou! Foi uma forma que a safada arrumou de me
chamar de coroa, ultrapassada, velhusca, terceira idade, titia… Sei lá! Está
mandando uma graninha para a manutenção do esqueleto e com certeza pela fama
que tem, dona Brasília fica com boa parte do repasse. Papai nem confere… Oh!
Papai!
            Meu último aniversário foi uma tristeza, nem quero
lembrar… No passado era uma festança com direito a desfiles de escolas, de
funcionários municipais, de equipamentos, balões e crianças. Nesse nem minha
atual madrasta participou, estava longe, lá em Minas Gerais com seus amigos mais
chegados e quase filhos, comendo do bom e do melhor as minhas custas, se
aproveitando de minha fama de velhinha para conhecer o mundo… Oh! Minha
madrasta.
            Tentei o suicídio várias vezes. A primeira quando
rapinaram o meu ouro, depois quando acabou o ciclo do arroz, quando fecharam
meu porto e me senti isolada do restante do mundo, quando proibiram
“farofeiros” de me visitarem. Em muitas ocasiões pensei seriamente que estava
chegando o meu fim e meu desgosto é notar que estou cada vez mais pobre e que os
responsáveis por minha tutela estão cada vez mais ricos as minhas custas.
Alguns compraram fazendas, palacetes, apartamentos e dólares… Oh! Vida. Como
sofre uma Princesa do Litoral.
Gastão Ferreira

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