AMOR TOMBADO…

            A existência não é nada fácil para quem teima em viver de
aparências. O nobre Senhor Conde Fat, apesar do título, nasceu num prédio em
ruínas, um sobrado secular cujas eiras e beiras foram vendidas para assegurar o
leite do infante recém vindo ao mundo. Com a queda do império seu nobre pai
perdeu a boquinha na corte e pela primeira vez na vida procurou um emprego.
Acostumado que estava à só usufruir de verbas públicas, comeu o brioche (Nobre
que é nobre não come pão!) que o tinhoso amassou. Foi nesse período de vacas e
cavalos magros que Fat nasceu.
            A mãe da criança abandonou o marido assim que notou que
título de nobreza não põe comida na mesa. Na verdade fugiu com o trapezista de
um circo mambembe e foi curtir a paisagem. Com o tempo foi trocada por uma
bailarina espanhola, mas estes detalhes sórdidos não interessam a nossa
história.
            O menino Fat cresceu sem o carinho de uma mãe, o pai
vivendo de pequenos biscates e enchendo a cara pelos botecos da vida, apegado
ao título de nobreza, entupia a cabeça do guri com seus sonhos do passado. O
miúdo assim criado se achava a última gota de perfume Frances da favela.
Apaixonou-se por prédios históricos e desde então tenta salvar da ruína total
tais edificações. Pelo que consta até o presente momento não conseguiu salvar
nenhuma habitação da destruição.
            Após a morte do pai, o título de Conde passou a lhe
pertencer e como todo o mundo gosta de ter um nobre como amigo, os puxa sacos
apareceram e realizaram seus sonhos… O Conde Fat se tornou importante. O
único problema é que não possuía um centavo e dependia de camaradas
extremamente corruptos para executar o que se propunha a fazer. Foi nessa época
que apareceu em sua vida a bela e inocente Ifam.
            Ifam era jovem, insinuante, sabia usar as palavras certas
para certos trambiques. De inocente nunca teve nada. Todo o ouro que chegava a
suas delicadas mãos era repartido com o restante da quadrilha. Os benefícios
eram sempre menores do que a fatura, uma obra sobre sua supervisão custava
milhões, mas executada por particulares o custo da mesma obra era ínfimo.  O que ela possuía de pilantra também possuía
de esperta. Era riquíssima, mas não tinha como usufruir do seu ouro rapinado.
Precisava casar com alguém acima de qualquer suspeita Tanto paparicou o velho
Senhor Conde Fat que o babaca do ancião se apaixonou e acabou lhe propondo
casório.
            Tudo o que a safada da Ifam necessitava era de costas
quentes para que os amigos continuassem a agir nas sombras sem serem
molestados. O casamento do Conde Fat com a jovem Ifam causou espanto entre as
pessoas de bem, entre os que jamais trabalharam e se nutrem das verbas de impostos
mal empregadas o fato foi tido como o início de um tempo de impunidades e
dinheiro farto.
            O simpático casal vive em constantes viagens, nas cidades
onde se hospedam os prédios desabam, bens públicos desaparecem, querem mandar
na vida e nos imóveis das pessoas, mas dinheiro para as reformas que teimam em
exigir jamais aparece. O casamento entre o Senhor Conde Fat e a jovem Ifam é
fruto de um Amor Tombado, uma estranha forma de amar onde um grupo privilegiado
de indivíduos só pensa em si mesmo e jamais permitem que um reles cidadão
votante e pagador de impostos, questione sobre suas “beneméritas” ações. 
Gastão Ferreira/2011

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