AMOR DESPEDAÇADO

            No alto da montanha, do local onde o bugio espia a
paisagem e a estreita picada começa a descer em direção à cidade o viajante
admirava o deslumbrante panorama. Mesmo de tão longe notou o abandono, casarões
em ruínas, lagamar assoreado, bandos de urubus ciscando no lixo não recolhido:
”-Minha cidade! O lugar onde nasci. Esse ar sempre límpido, o verdor das matas,
essas águas piscosas de onde o humilde pescador tira o sustento diário, esse
cenário magnífico, essa beleza que encanta a primeira vista… Meu lar!”
            Já na cidade encontrou com dona Maricota sua primeira
mestra:-“ Dona Maricota! Quanta saudade professora. A senhora não mudou nadica
de nada!”
”-
Oh! Oh! Oh! Meu aluno Juvenal que há vinte anos foi ganhar a vida longe daqui e
continua o mesmo cegueta de sempre, eu sei que estou um traste velho meu
querido.”
“-
Para mim a senhora continuará sempre aquela mocinha que me ensinou a ler e a escrever.
Fessora! A cidade está diferente, as pessoas estão mais caladas, parece que a
cidade se encontra um tanto abandonada!”
“-
Meu filho! Estão assim tão visíveis as coisas por aqui? Meu Bonje! Vocês está
há vinte anos fora!”
“-
Há vinte anos havia no ar uma esperança. Uma ponte que faria milagres, uma
promessa de melhores dias para a juventude. Todos acreditando num futuro
melhor! O que aconteceu mestra?”
“-
Foi o Amor que nos destruiu!”
“-
Que é isso dona Maricota! O Amor jamais destrói.”
“-
Parece um paradoxo, mas foi o Amor que causou toda essa paradeira!”
“-
Professora! Como isso foi possível?”
“-
Juvenal! Você sabe que política por aqui é o assunto do dia. Até hoje é
impossível separar o joio do trigo ou o trigo do joio e nosso povo sempre cai
na mesma lenga lenga… Parece mentira! Eles sobem em palanques e gritam aos
quatro ventos seu Amor a cidade, fazem mil promessas nunca cumpridas e o povo
não aprende… Depois que você foi embora o Amor nunca abandonou a cidade,
mudou de nome, teve muitos apelidos, Tamanduá, Formiga,Mãos Limpas, mas lá no
fundo estavam os bernes de sempre não deixando a ferida cicatrizar… O Amor
despedaçou a cidade!”
“-
Meu Bonje!Nada mudou por aqui.”
“-
Na verdade a cidade está crescendo, quase todas as ruas calçadas, muitas
mansões, carros e motos. O comercio prospera, mas os mais humildes continuam na
dependência do beijar de mão…”
“-
Que tristeza ver esse lugar lindo que tem tudo para dar certo não prosperar!
Quantas cidades gostariam de contar com os recursos naturais que nos cercam
para explorar o turismo ecológico, a pesca esportiva, os esportes náuticos, as trilhas
nas matas, a gastronomia, o artesanato, as visitas a bairros rurais… Que
potencial desperdiçado! Esse Amor tão cantado acabou com o progresso.”
“-
Juvenal! A esperança é a última que morre.”
“-
Professora Maricota! Ainda bem que a esperança ficou. Sem ela a cidade estaria
completamente estagnada. Ela é uma brasa quase apagada, mas será ela que fará
com que o povo aprenda a exercer a cidadania, a exigir satisfação das promessas
eleitoreiras e a cobrar seus direitos.”
“-
Juvenal! Você voltou politizado.”
“-
Nada disso, dona Maricota! É que visitei muitos lugares e vi a diferença, o
quanto temos de potencial não explorado. Vou conversar com os amigos, procurar
esse tal Amor Despedaçado e pedir explicações.”
“-
Estou orgulhosa de você, meu aluno! Faça isso, não se omita e parodiando Mário
Quintana, você está coberto de razão:- O que mata uma cidade não é o abandono,
o que mata uma cidade é esse olhar vazio de quem nela vive indiferente.”
Gastão
Ferreira

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