A VISITA DE CASSANDRA…

         Cassandra foi uma princesa troiana,
filha de Príamo e Hécuba, irmã de Heitor e de Paris o raptor de Helena. A moça
era de uma beleza extraordinária e bastou Apolo, o deus da luz, da música, da
medicina e de outras coisinhas insignificantes vê-la para se apaixonar
perdidamente… A donzela não deu a mínima ao poderoso deus e ele por vingança
e por ter sido desprezado em sua paquera, dotou Cassandra com o dom oracular…
         Um oráculo na antiguidade clássica
ocupava o mesmo espaço que na atualidade ocupam as nossa Unidades de Saúde
Pública…. Qualquer dor de cabeça, sintoma de Dengue, dor nas costas, pressão
alta e milhares de outros achaques e tome lá uma consulta ao oráculo…
         A vingança de Apolo, que era muito
sacana, foi terrível…. Ao maravilhoso dom de conhecer o futuro, dado à bela e
insensível Cassandra, acompanhava o seu aviltamento total; – “Ninguém
acreditará em uma só previsão sua! ”
         Cassandra fez milhares de profecias,
apesar do descrédito de seus consulentes, todas se realizaram… Quando Tróia
foi incendiada e saqueada, e quase toda a Família Real assassinada, apenas a
princesa Cassandra, sua mãe Hécuba e seu decrépito tio Anquíses com alguns de
seus filhos escaparam… Entre os descendentes de Anquíses estava Enéias, fruto
de um ardente romance entre o jovem Anquíses e a deslumbrante Vênus, deusa do
amor e da beleza. Enéias futuramente se envolveria com a feiticeira Dido e num
tempo ainda por vir, dois garotos gêmeos, Rômulo e Remo, seus descendentes fundariam
uma cidade chamada Roma, mas isso é outra história…
         Cassandra, sem pai, sem ouro, sem
palácios, vagou pelo mundo…. Ganhava seu sustendo fazendo previsões, lendo
cartas, interpretando sonhos e consultando o tarô, os búzios, as estrelas do
céu…. Seus clientes não gostavam das respostas do oráculo, pois desde que o
mundo é mundo, poucos são as pessoas que realmente não temem a verdade…
         Num tempo impreciso, a profetisa passou
frente à Ilha Comprida, que era puro mato e da sua nau avistou alguns vultos
peladões, não resistiu à visagem e tascou uma profecia; – “Que bela ilha! Tão
comprida… É habitada há milênios… Os primeiros a explorarem a sua riqueza
foram os formadores de sambaquis… Foram assimilados por outros povos… Homens
de cor vermelha se apossarão da região… Vejo muitas batalhas… Indivíduos
vindos da Europa dizimarão todos os habitantes desse local… Pelos deuses! Uma
cidade surgirá não longe da formosa e comprida ínsula… Por Tupã!… Quem é Tupã?
Sei lá! Não importa… Quanto ouro! Quanto arroz!… Que será arroz? Nem sempre
sei o que interpreto! Simplesmente traduzo o que os imortais permitem que eu
veja… Que gente feliz! Que gente infeliz!… Pestes, conchavos, politicagens,
Boitatá, desavenças… Belos casarões desmoronando… Uma cidade “lá tinha”… Tão
bela e tão mal amada!… Pelos deuses do Olimpo! Afaste-se de mim essa visão!…
Tudo para dar certo e tudo desperdiçado! Por Zeus! Não…. Não e não! ”
         Os companheiros de viagem caíram na
risada; – “Essa Cassi! Parece uma louca… Dessas matas jamais sairão
coelhos… Kakakaká.”… A nau afastou-se lentamente e os selvagens que a
observavam da areia da praia nem desconfiaram da visita da profetisa amada de
Apolo, como sempre, o que o deus determinou aconteceria num futuro ainda
ausente… “Cassandra nunca mentirá, mas a ninguém é dado crer no divino
oráculo”… Foi assim que há muito e muito tempo Cassandra nos visualizou no
contexto atual.
Gastão
Ferreira/2013

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