A NEBLINA…

         Como uma
branca nuvem ela desceu da montanha. Lentamente comeu as casas, as praças, as
árvores e se apossou da cidade. Aos poucos dominou o ambiente… Nem os cães de
rua, nem os gatos namoradores, nem os avoantes pássaros ousaram romper o nevoeiro.
         As
crianças espiavam pelas frestas das janelas fechadas… Ninguém nas ruas! Todos
procuravam um abrigo seguro. A névoa era pegajosa e úmida, seu gosto causava
enjoo e seu cheiro lembrava algas marítimas. Um fato estranho era que a neblina
cobriu completamente a cidade, mas não adentrou as casas de moradia.
         No
entorno das praças os moradores ouviam murmúrio de vozes… Vultos, mal
definidos, dentro da cerração berravam palavras de ordem; – “Abaixo os captores
de índios! Fora com os senhores de engenhos! Pelourinhos nunca mais! Mais pão e
menos chibata! Queremos médicos não pajés!”
         O
arrastar de correntes, os gritos de dor, as gargalhadas dos loucos, se juntavam
aos lânguidos suspiros dos que morreram por um amor impossível, dos
assassinados nos becos escuros, dos enforcados, dos suicidas, dos algozes de
corpos e das mentes.
         No
calçamento secular do Centro Histórico, as escravas do passado arrastavam pelas
madeixas sinhás e sinhazinhas… Negros fujões chicoteavam valentes Capitães da
mata… Eleitores rondavam os alcaides corruptos exigindo a devolução de
inúmeras rapinas, mostravam suas vidas roubadas pela falta de melhorias na
saúde pública… Os políticos e nepotistas que engambelaram o povo eram
apedrejados.
         Os
fantasmas do passado clamavam por justiça. Cercavam os politiqueiros, os ladrões
do bem comum, os corruptos, os religiosos que usaram o nome de Deus em proveito
próprio, os pedófilos que destruíram no nascedouro a inocência infantil, os que
pediam esmolas por esperteza, os filhos das trevas que plantaram vingança,
ódio, desamor.
         Frente a
Basílica os espectros seculares juntaram-se aos mortos recentes, os que
faleceram por erro médico, nos assaltos, nos atropelamentos, os que partiram
pela fome e pelo descaso das autoridades ao negarem melhorias na Saúde, na
Educação, no saneamento básico.
         O
sussurro dos fantasmas, levados pelo vento, entraram em todas as casas… As
pessoas não tinham como evitar que as vozes penetrassem em suas mentes. Os
omissos, os apadrinhados, os aproveitadores, sentiram na alma o drama dos
desfavorecidos, dos mortos em vida, dos sem sonhos e dos sem futuro…
Entenderam que a vida continua, que o que aqui se faz aqui se paga… Que o
homem colhe da árvore que plantou.
         Na
madrugada a neblina se dissipou, o sono invadiu todas as casas… O amanhecer
foi radiante! Nada lembrava os estranhos fatos da noite. As pessoas acordaram
sabendo que deveriam organizar uma grande passeata, exigindo seus direitos
quanto cidadãos, mais qualidade de vida e menos promessas, melhorias na cidade.
O momento de uma faxina geral era chegado… Que sem dignidade, transparência,
respeito à ordem e a lei, honestidade, a vida não vale a pena… Não estavam
dispostos a serem mais um na neblina… A hora da renovação chegou!
Gastão Ferreira – (06/07/2013)    
          

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