AS MÁSCARAS

            Quando Fim de Mundo era uma pequena vila, perdida nos
cafundós do Judas, uma estranha epidemia varreu a região. Naquela época de
medicina atrasada, não foi possível diagnosticar a endemia, mas, um Pajé da
famigerada tribo dos Joios encontrou uma solução bem simples para o problema. A
doença, se assim podemos chamar a sem-vergonhice, caracterizava-se por uma
troca passageira de personalidade… Um homem, macho prá cacete, ao encher a
cara queria por que queria ser chamado de Maria e quando o porre passava dizia não
se lembrar de nada. Também as mulheres quando emborcavam umas e outras mudavam
de identidade, algumas atendiam pelos nomes de Messalina, Lucrécia Borges,
Matta Hari, Cleópatra, Cláudia Cristina, Simone Meia Sola, Maria Padilha, e, outras
por Pedrão, Raimundão e outros nomes terminados em ão.
            A solução mágica encontrada pelo feiticeiro foi o uso de
máscaras, pois assim ninguém sabia de antemão quem era quem. Esse Pajé era
muito esperto e na opinião dos historiadores cometeu apenas um erro em sua
longa vida. Permitiu que sua única filha, Propina Joio, casasse com o jovem
guerreiro e agiota Butuca Trigo. Desde esse enlace o Joio se misturou com o
Trigo e Fim de Mundo nunca mais foi a mesma.
            O uso de máscaras passou a ser obrigatório em enterros,
atos públicos, procissões e comícios. Nesses eventos era mais ou menos
proibidos João virar Maria e Maria virar João. Fora essas exceções tudo era
válido. Nos saraus era comum que lá pelas tantas, um mascarado saltitante
fizesse a alegria dos mancebinhos de programa. Mil desculpas foram encontradas para
o uso da máscara em ocasiões não especiais. A coisa chegou a tal ponto que um
moço mascarado, mas, acima de qualquer suspeita levou a Portugal um mancebinho
de programa para ajudá-lo a carregar uma imagem de Santo que não pesava um
quilo, como desculpa para o vamos dar um malho bem longe desse povinho que
pagou nossa passagem… Coisas de Fim de Mundo!
            Com o passar do tempo a endemia alastrou-se e virou
pandemia. O uso da máscara foi abolido por lei e hoje em dia usam máscaras apenas
os que têm sérios problemas de aceitação ou não querem ver a realidade. Ainda é
comum um João virar Maria no carnaval, num luau de praia, num fim de noite de
muita cachaçada e jurar que tudo não passa de uma brincadeira e se contar eu
mato. São esses mascarados eventuais os que apontam o dedo para os que ousaram
retirar todas as máscaras e viver com dignidade. São esses infelizes que teimam
em permanecer na mentira, os primeiros a jogarem as pedras do preconceito e da ignorância.
Sozinhos dentro dos armários do medo temem o espelho da verdade, mas em Fim de
Mundo nenhum segredo está seguro, já dizia o velho Pajé, que sabia muito bem
que lobo conhece lobo e sapa conhece sapa só pelo cheiro.
Gastão Ferreira/2011    

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