A CIDADE DAS LOMBADAS

         A
Princesa do Litoral estava eufórica. Acompanhada de Josephus seu secretário,
cocheiro, conselheiro e pau-mandado, sua alteza a cada visita ao reino ficava
mais animada. Sempre havia novidade, observadora e atenta, a ela nada escapava.
Um tanto míope devido à idade, seu otimismo em relação ao feudo que herdara de
Portugal era perene. Em seus 474 anos de existência seguia todas as conquistas
de seus amados súditos; – “Josephus! Olha os novos e magníficos monumentos…”
         – “Que
monumentos Princesa?” Perguntou Josephus.
         – “Estas
modernidades ao lado da barragem…”
         – “Oh
majestade! São estruturas metálicas das comportas que há um bom tempo estão
enferrujando ao relento…”
        
“Depois da belíssima e cara Cruz de Pedra colocada na Praça da Basílica, pensei
que outros monumentos surgiriam! Sem problemas! Adoro meus súditos e sou
correspondida. Está ouvindo os rojões? Uma homenagem a minha visita…”
         – “Que
nada alteza! Os foguetes são das convenções partidárias para a escolha do novo
alcaide… A forma encontrada para anunciar a plebe vil que os espetinhos de
gato estão a ser servidos são os rojões…”
         – “Ah os
eternos costumes da realeza! Pão e circo garantindo o poder… Nooossa
Josephus! Uma plantação de montanhas na Orla do Valo Grande…”
         – “Que
nada majestade! É lombadas, a nova moda que invadiu a cidade, são milhares…”
         – “Nada
como conferir pessoalmente a chegada do progresso…”
         – “Quem
inventou a sinaleira foi um burro!”
         – “Não
entendi a piadinha infame!”
        
“Majestade! Quem será que produz estes filhotes de montanha? Normalmente as
lombadas são mais baixas e menos largas. Não ficam tão próximas umas das
outras. Assim como foram distribuídas só servem para danificar os veículos…
Já que alguém gosta tanto de novidades por que não mandou colocar sinaleiras
nas encruzilhadas das principais avenidas? Seria mais prático e mais barato…”
         – “É
Josephus, aí tem mão de raposa!”
         – “Ou
outra coisa alteza!”
         – “Você
reparou a quantidade de cestas de lixo pelas quais passamos? Cidade limpa é
saúde…”
        
“Quáquáquáquá…”
         – “Meu
Bonje! Parece que vi um casal pelado naquela moita…”
         – “É uma
nova modalidade para atrair turista!”
         – “Como
assim Josephus?”
         – “Os
pedintes e mendigos que fazem questão de serem chamados de moradores de rua ou
sem teto, que possuem o sacro direito de ir e vir, defecar nas calçadas, urinar
na rua e xingar quem trabalha, reivindicaram o direito de sexo livre nos locais
públicos…”
         – “Meu
Bonje!”
         – “São
mais de quarenta vagando pelas ruas, a maioria jovem e dentre eles garotos de
programa, prostitutas e travestis…”
         – “E o
povo não reclama?”
         – “Fazem
cara de nuvem, mudam de calçada temerosos de criticar quem detém o monopólio
para fazer o que bem quer…”
         – “Você
está exagerando Josephus!”
         – “Saiba
Vossa Majestade que eles já se apossaram da Orla do Mangue, do velho prédio da
Santa Casa, de muitas frentes de comercio e de algumas praças…”
        
“Coitada da população…”
         – “Sim!
Os bancos, lotérica e muitas lojas estão abandonando o centro histórico, as
pessoas evitam o máximo passar pelos locais onde os pedintes mandam e
desmandam…”
         – “Mandam
e desmandam?”
        
“Seguram nos braços dos transeuntes, obrigam os donos de automóveis a pagar
pedágio, assediam quem faz compras em supermercados, pessoas e lojas estão
sendo assaltadas…”
         – “Mas
os jornais não falam nada! Só exaltam o fantástico turismo regional…”
        
“Turista perturbado não volta…”
         – “Que
vergonha! Vamos mudar de assunto… Quero passar frente ao prédio do Correio
Velho e conferir o andamento da reforma…”
         – “Que
reforma Majestade?”
        
“Assisti na televisão, li nos jornais, vi na internet… Covidaram a plebe a
dar um abraço no velho prédio, fizeram discursos, soltaram foguetes,
apresentaram uma peça de teatro, tudo como despedida e inicio de novos
tempos…”
         – “Não
estou sabendo! Nossos agentes secretos não detectaram nenhum movimento suspeito
no local nos últimos dias…”
         – “Espia
Josephus! As luzes da passarela estão apagadas… Será alguma homenagem ao dia
do meio ambiente?”
        
“Desculpa Alteza! Os eleitos pelo povo afirmam que não há nada de errado com a
iluminação da passarela… A senhora está enganada!”
         – “Mas
não tem luz!”
        
“Majestade! Acho bom terminarmos com o passeio. A senhora quer ser apontada
como alguém que não ama a cidade? Que só sabe criticar? Alguém que só vê coisa
ruim? Só falta a senhora dizer que a nova obra faraônica da Beira do Valo está
rachando, que aumentou o numero de nóias, de assaltos e outras mentiras para
denegrir tão bela e pacata cidade…”
         – “Eu?
Nem pensar. Vamos cair fora antes que alguém nos processe por difamação.”
Gastão Ferreira/2012 
          

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!