RETALHOS…

         Minha
lembrança vem e vai; some por caminhos que nunca percorri… Um dia ao abrir um
pote de caviar de manjuba, encontrei uma linda pérola, ou foi uma ostra que
passei nos biscoitos que ganhei de Dona Tiburcia?… Dona Tiburcia! Quem é Dona
Tiburcia? É uma invenção da minha mente que apaga e acende feita lanterna de
pilhas gastas ou é uma velha amiga? Dessas amigas que entram sem bater e
assustam a gente!
         Ontem
à noite percebi o vulto sorrateiro de Mileide; rondava o meu quarto a procura
do cofre onde escondo minhas joias… Nunca tive um cofre e muito menos joias e
Mileide sempre soube disso; ela partiu jovem, se enforcou por amor e foi
enterrada embaixo do pé de jabuticabas… Não creio! Mileide dorme em sua campa
de mármore no jazigo da família e não se enforcou; fugiu para o Rio de Janeiro
e agora é uma famosa estrela de cinema…
         Meu
marido tem uma amante; uma mulher muito má que se veste de branco e me enche de
injeções, dorme sentada nessa cadeira, a sirigaita! Diz que é enfermeira e que
cuida de mim… É amante de meu esposo, tenho certeza! Já vi o salafrario dando
dinheiro à piranha.
         Dia
desses recebi a visita de Dom Pedro I, veio acompanhado da Marquesa de Santos,
ficaram olhando os retratos e fizeram muitas perguntas, no final disseram que
tenho Mal de Alzheimer, botei os dois a correr; casalzinho antipático!
         Semana
que vem vou viajar; vou a Paris! A piranha separou minhas roupas e pediu
segredo ao contar que ficarei numa casa com altos muros e um pequeno jardim…
Tiburcia veio se despedir, me abraçou com olhos rasos d’água, me lembrou de que
seu nome é Miriam e é minha amiga de infância, a última que restou… Mileide
também veio, trouxe os filhos, meus netos, e seu nome não é Mileide, é Márcia…
         Meus
netos são uns amores, brincalhões… São ainda crianças e bobinhos, confundiram
Paris com um asilo; – “Vovó! Não vamos esquecer-nos da senhora, mamãe vai nos
levar no asilo todo o mês.”, Márcia corrigiu na hora; – “Vovó vai passar umas
férias em Paris e na volta trará muito presentes para todos nós.”
         Meu
genro vai me levar ao aeroporto; vou sozinha! Meu marido é muito emotivo, está
velho e chora fácil… Prefiro que não me acompanhe até o embarque… Penso que
ele está caduco; toda a hora me abraça, diz que eu fui seu grande amor, me
beija e me acaricia… Eu acho que ele pensa que vou fugir! Que bobagem! Paris
é logo ali… Vou e volto…
         A
bagagem está pronta… Não levo muita coisa… Agora é a hora do chá; “um chá
de despedida”, diz a sirigaita… Parece que faz questão de me acompanhar ao
aeroporto… Estou com sono… Será que fui dopada? Noto tristeza em todos os
olhos e os olhares são de adeus… Retalhos de momentos felizes; amanhã
acordarei em Paris, numa casa de altos muros e um pequeno jardim…
Gastão Ferreira/2014

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