O ÚLTIMO LOBISOMEM

         Zenóbio
nunca esqueceu a terrível história do último lobisomem que perambulou por estas
paragens; seu tataravô, de nome Menem, apelido Palíndromo foi o responsável por
desmascarar a besta fera.
         Final
do século XIX, a cidade era minúscula, cinco ruas e algumas travessas; possuía
muitos casarões e centenas de casebres onde os pobres viviam de bajular os
donos dos palacetes, tal comportamento se perpetua até a atualidade, uma
herança dos formadores de sambaquis, que sambavam ora aqui ora ali, sempre
pedindo favores e não devolvendo. Todas as mansões tinham senzalas e eram nelas
que se amontoavam os escravos comprados no Porto Grande e vendidos no Porto
Pequeno, rio acima e rio abaixo.
         Dona
Maricleide de Alvarenga Silva e Souza, madame Cleide para a fidalguia e Nhá
Dada para o populacho, esposa do coronel Benedito Antero de Silva e Souza, foi
uma pessoa bafejada pela deusa Fortuna; apesar do pomposo sobrenome Alvarenga,
era do ramo pobre da árvore dos Alvarengas. Teve uma infância miserável, passou
fome, jamais possuiu uma boneca de trapo para chamar de sua. Aos treze anos
contraiu núpcias com o velho coronel e nunca mais parou de pisar os menos
favorecidos, zombar dos remediados e estapear escravos. Alma piedosa assistia a
quatro missas diárias e nunca com a mesma roupa.
         A
riqueza do coronel Silva e Souza provinha de suas minas de ouro e extensas
plantações de arroz. Passava por pedófilo nas conversas à meia-voz nas biroscas
e antros de perdição; meninas escravas desapareciam misteriosamente e jamais
foram encontradas. Sua diversão era espancar os servos fujões; gostava de ver o
sangue correr e se deliciava com os gritos dos supliciados. Não frequentava a
igreja, mas contribuía com altas somas para as muitas festas na paróquia, era
amigo do senhor vigário.
         O
garoto Menem estava apaixonado pela menina Larissa de Xangô; paixonite de
criança, ela estava com onze anos e ele com treze. Conheceram-se ao buscar água
no chafariz, a guria ficou curiosa quanto à alcunha de Palíndromo e perguntou o
porquê desse apelido tão estranho; – “É que meu nome é Menem, que lido de trás para
frente dá no mesmo… Palíndromo é uma palavra ou frase que lida ao contrário
permanece a mesma… Menem… Menem… Entendeu sua curiosa?”, explicou
Palíndromo e desde esse dia se tornaram amigos inseparáveis.
         Larissa
contou a Menem sobre as crianças sumidas e de seu temor por também desaparecer.
Lembrou-se de uma noite de lua cheia; estava com oito anos de idade e fora
mandada para o sitio a fim de se recuperar da surra que levara de madame
Cleide. Madame tinha horror a baratas e Larissa era a criança encarregada de
comê-las e madame a surpreendeu enterrando o inseto; foi pisoteada, arranhada e
espancada impiedosamente pela bondosa senhora.
         Naquela
noite o coronel entrou sorrateiramente na senzala e levou Sofia de Oxossi
consigo… Larissa os seguiu de longe e nunca esqueceu a cena; o coronel se
transformou em um grande cão de pelagem escura, estraçalhou o corpo da criança
e o comeu, depois, saiu correndo e uivando para a lua cheia e desapareceu na
mata… O coronel Benedito Antunes de Silva e Souza era um lobisomem!
         Menem
começou sua pesquisa pelo Porto Grande; marítimos vindos de todo o mundo
ancoravam seus navios por ali e os marinheiros sabiam de quase tudo na vida.
”Lobisomem pode ser morto com uma bala de prata, bem no coração.”, afirmou o
velho marujo Simbad de Cananeia… “Fácil dar um tiro no coronel!”, pensou
Menem.
         Menino
apaixonado é pior do que velho tarado; não descansa enquanto não obtém o que
deseja. Menem roubou um caneco de água-benta, conseguiu uma bala de prata e
ralou a bala… Arrumou um serviço como rapaz de balcão no bar de Dito Robalo,
lugar frequentado pela elite e ponto de fofoca oficial da cidade… Estavam para
escolher o novo alcaide e o coronel foi ao bar indicar seu candidato; Menem
aproveitou e fez uma caipirinha de água-benta, cachaça de Pariquera, limão,
açúcar e prata moída… O coronel emborcou a caipirinha e teve um saricotico;
começou a uivar, a crescer pelos e mais pelos, os olhos ficaram vermelho, virou
um lobo bem na frente da fina freguesia e morreu na hora.  
         Dona
Maricleide perdeu a fortuna não a pose; passou a vender bijuterias no porto e a
fazer pequenos favores íntimos aos marinheiros, apaixonou-se algumas vezes,
mas, sempre ficou no cais na hora da partida… Dona Dada morreu pobre,
sonhando com a boneca de trapo que nunca teve.
         Menem
ao completar dezoito anos casou-se com Larissa; somente ela, seu grande amor,
ficou sabendo a causa da estranha morte do coronel Silva e Souza… Tiveram
três filhos e Zenóbio é seu descendente; o único homem, a saber, da verdadeira
história do último lobisomem que perambulou por essas paragens.
Gastão Ferreira/2014     

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