O ASSALTO AO COFRE

         Dito
Bizarro, mestre de obras e pedreiro nas horas vagas, ficou sobrecarregado de
pedidos urgentes, urgentíssimos. Era o único profissional que atuava na área de
colocação de cofres de segurança na cidade. Seu tataravô fabricou o primeiro
cofre-forte do lugarejo, foi devido a sua arte que os ricaços pararam de
esburacar as paredes para esconder suas joias e seu ouro entre as fendas mal
disfarçadas dos velhos casarões.
         Com
o passar do tempo e a morte das vacas gordas, nome dado aos ciclos de riqueza
regional; ouro, arroz, navegação fluvial e venda de escravos, os muito ricos
ficaram pobres e os cofres perderam sua finalidade original, passando a simples
depósitos de produtos não perecíveis, ou esconderijos de pequenos e grandes
deslizes não contabilizados.
         Após
o terrível drama que abalou o sossego da pacata cidade, quando uma família de
fino trato e acima de qualquer suspeita foi amordaçada, espancada e torturada
com a única finalidade de confessarem o segredo para abrir o cofre, que  supunham as más línguas, estar recheado de
dólares, euros e libras esterlinas, os serviços de Seu Dito Bizarro se fizeram
necessários, pois todos os herdeiros das antigas riquezas queriam de imediato
se desfazer dos cofres ancestrais.
         Madame
Mimí, porta voz e representante das dondocas locais, era a mais preocupada;
caso algum bandoleiro desconfiasse que em sua fantástica residência escondiam-se
duas antigas caixas-fortes, tornar-se-ia a próxima vítima dos assaltantes. Foi
pessoalmente a procura do senhor Dito Bizarro e humildemente exigiu seus
serviços; a destruição imediata dos velhos cofres herdados de um antepassado
salteador e pirata.   
         Dito
Bizarro, fundador do famoso bloco carnavalesco “Litraço de Quatro” sempre foi
uma pessoa organizada; anotou item por item o que encontrou nos diversos
cofres. No cofre de madame Mimí, além das muitas vestes compradas no brechó das
Festas de Agosto e antigos cartões postais, amarelados pelo tempo, nenhuma joia
estava escondida dos olhos alheios. Num outro local, num cofre moderno,
trancado a sete chaves, localizou peças sacras de ouro rapinadas das muitas
igrejas e algumas placas de bronze, dentre elas a que foi feita em homenagem a Albert
Camus e desaparecida sem deixar rastro. Numa outra mansão, vários títulos de
posse de terras griladas… A lista dos donos dos cofres, com a anotação dos
pertences, tintim por tintim, ficou trancada na residência de Dito Bizarro.
         A
notícia da lista sacana correu a cidade e na terça-feira de carnaval Dito
Bizarro foi covardemente torturado, sua casa revirada e os documentos
sumiram… O alto-falante da matriz acabou de anunciar a morte do velho mestre
de obras; alô atenção!… Faleceu nesta cidade…
         As
investigações apontam como possíveis assaltantes um grupo de foliões
fantasiados de Black Blocs e alguns participantes do bloco da Thia Dorô; todos
de fora do município. Ninguém questionou o porquê de gente desconhecida matar
um ancião a pauladas para roubarem um pedaço de papel sem valor… Mistério! Os
que leram a lista, e sabem o que ela contém, estão apavorados; a temporada de
caça começou.
Gastão Ferreira/2014   
            

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