O ABRAÇO

         Meu pai era um homem às antigas; criado
em uma estância escondida na imensidão do pampa gaúcho, seus ancestrais tinham
sangue de índio missioneiro misturado a franceses, ingleses e lusitanos. Bom
cavaleiro, contador de causos, alegre e festeiro, grande leitor de jornais. Foi
o herói da minha infância, ao mudarmos para a cidade grande eu o acompanhava ao
armazém, as visitas aos amigos e participava de suas pescarias. Quando voltava
do trabalho eu o aguardava feliz na esquina de casa, sem saber que esse esperar
ficaria comigo para sempre; mesmo sem motivos adorava abraça-lo.
         Na juventude ficamos distantes; o
máximo era um seco “bom dia pai!” e nada mais. Também parei de tomar a benção
dos avós e dos tios. Interrompi o “Dorme com Deus pai, dorme com Deus mãe”, que
era a saudação de toda a filharada antes de adormecer, um costume familiar que
vinha da infância. Passei anos e anos sem abraçar meu pai. Mudei para o Estado
de São Paulo e nas poucas visitas ao sul meu comportamento era o mesmo. Numa
dessas visitas minha mãe perguntou qual o motivo de eu não abraçar meu pai e eu
respondi que ele não gostava; – “Estás enganado, meu filho! Teu pai é meio
xucro, mas sente a falta do teu abraço.”, disse minha mãe.
         Aproveitei o máximo possível à deixa;
mal chegava e abraçava o meu velho, beijava, apertava de encontro o coração e
ele no inicio relutante se entregava ao meu amor filial. Era um homem frágil,
emotivo esse meu pai, mas, seus olhos ficavam úmidos e demonstrava o quanto me
amava. Metódico, lia o jornal diário enquanto cevava um chimarrão, comentava as
notícias e depois ficava horas a me contar de seus poucos sonhos, dos assuntos
pelos quais se interessava e das histórias de nossa gente, dos seus irmãos e
amigos; pouco durou esse arroubo, minha mãe partiu e meu pai a seguiu logo
depois.
         Muito tempo após a sua morte eu sonhei
que estava caminhando por um jardim quando alguém chamou meu nome com
insistência. Era um jovem desconhecido e eu perguntei um tanto desconfiado; –
“Te conheço?”, o rapaz fitou os meus olhos e eu me perdi naquele olhar azul, a
cor do céu do Rio Grande nas mansas tardes de outono, os olhos de meu pai, os
meus olhos; – “Pai! É o senhor?” e ele abrindo os braços sorriu e me apertou
contra o peito e eu voltei a ser novamente um guri, muito amado, muito querido,
perdoado de todos os meus pecados.
         Acordei com a face molhada, devo ter
chorado todas as lágrimas possíveis; lágrimas de saudade, lágrimas de
reencontro, lágrimas de agradecimento, lágrimas que lavaram a minha alma, foi o
melhor abraço que recebi na vida… O abraço do meu pai!
         Conto essa história para todos aqueles
cujos pais estão vivos; aproveitem! Demonstrem gratidão. Foram eles que vos
deram a vida física, bons ou maus, ausentes ou presentes, vos ofertaram o
melhor que possuíam; seu amor, sua visão de mundo. Foram os primeiros companheiros
nessa viagem vida, vós sois a parte mais bela dos seus sonhos e estão
completamente despercebidos disso… Feliz daquele que ainda pode abraçar e dizer
obrigado a seus pais.
Gastão
Ferreira/2014    
          

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!