Lua cheia

         Na
lua cheia um bando de lobisomens invadiu a vila; vieram com as famílias na
calada da noite; ninguém sabe ninguém viu. Ocuparam as casas abandonadas no
final do ciclo do ouro e passaram a conviver com os demais habitantes sem
levantar suspeitas. Alguns montaram comércios; armarinhos no dizer da época.
Outros se interessaram pela política…
         Seu
Osmundo contava ao neto esse causo; uma lenda urbana bem antiga. O neto, de
olhos arregalados, prestava atenção na história e não duvidava de sua
veracidade. Roberval questionou o avô: – “Vovô Mundinho! Se eles estão entre
nós, como podemos saber quem são?”
        
Boa pergunta, meu neto, lobisomens gostam de ver o sofrimento dos outros; antigamente
eram aqueles que torturavam escravos, matavam desafetos, se apossavam de terras
alheias. Hoje a coisa mudou! Está difícil diferenciar um lobisomem de um homem
qualquer.
        
Como assim, vovô Osmundo? Se eles são a negação da bondade, do amor ao próximo,
deve ser fácil descobri-los!
        
Que nada, meu neto! Esse bicho-fera se disfarça num piscar de olhos; você até
conhece alguns deles…
        
Que nada vô Mundinho! Nunca vi um lobisomem na vida.
        
Ontem na missa, você reparou num senhor muito bem apessoado, aquele que chama a
atenção pelos salamaleques na hora de rezar?
        
Não me diga! Aquele que adora carregar andor em procissão? Meu Bonge!
        
Você acha, meu neto, que quem realmente acredita em Deus se aproveita da
desgraça alheia para enriquecer? Tira lucro da pobreza dos outros? Você já
reparou que têm pessoas que sustentam bandos de desocupados sempre que detém
algum poder? Esses são os lobisomens chefes… Tenha muito cuidado com eles!
        
Caramba! Realmente está passando pela minha cabeça vários nomes… Vovô! E as
mulheres lobisomens?
        
Essas são mais fáceis de descobrir; são aquelas que andam de nariz empinado,
maltratam domésticas, fazem pouco caso das pessoas, só pensam em dinheiro, dão
golpe do baú e se acham a última manjuba do Rio Ribeira.
        
Nossa! Estamos cheios de lobisomens.
        
Ah sim! Algo comum a todos eles é que ao adquirirem algum bem material bastante
vistoso, costuma dizer; – “Foi Deus quem me deu!”
        
Tá brincando vovô Osmundo! Uma coisa não tem nada a ver com a outra…
        
Como não? Quem trabalha e quem conquista algo com o suor do próprio rosto não
tem porque dizer que ganhou algo de presente de Deus…
        
Mas Deus nos dá tudo…
        
Não confunda alhos com bugalhos! Deus nos deu a vida, o restante tem que correr
atrás para conseguir… Quando alguém diz que Deus lhe deu isso ou aquilo, está
afirmando que não trabalhou arduamente para conseguir e assim ganhou de
presente… Entendeu?
        
Mais ou menos…
        
É isso aí, meu neto! Fique esperto. Caso não queira ser um lobisomem, um ser
destinado a viver na escuridão depois da morte, não aceite ser comandado por
falsos líderes… Pense por sua própria cabeça, assuma seus erros, conquiste
com seu trabalho honesto tudo o que quiser; não plante discórdia, seja simples
com os mais humildes, viva e deixe viver… As pessoas são o que são e não o
que a gente gostaria que fossem.
        
Vou tentar seguir seus conselhos, vovô! Tudo isso é muito complicado…
        
Noite de lua cheia, meu neto! Nossos antepassados vieram de longe; montaram
comércio na freguesia, alguns foram boas pessoas, outros nem tanto, nosso
sangue se misturou aos nativos… Somos todos um pouco lobisomens e depende
unicamente de você assumir a fera… Bons sonhos, meu neto!
Gastão Ferreira/2014
        

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!