É nóis no telão

                Dona Armandina não
conseguiu pegar no sono, Dito Pedra e Xandi Belo também não, e o motivo foi o
mesmo; o telão da Praça da Matriz.
         A pacata cidade preparou-se com
entusiasmo para a Copa do Mundo; cursos de inglês e espanhol gratuitos foram
partes do pacote “Abrace um turista”. Os mendigos aprenderam sem dificuldades a
pedirem “jo necessito de uno reale”, as dondocas além do curso “Simpatia é
quase amor” pararam de olhar para cima e cumprimentavam os menos pobres com um
sonoro “bom jour”, os adolescentes esgoelavam rápidos “good morning e buenos
dias”. Os restaurantes, lanchonetes e bares capricharam nos cardápios em
diversos idiomas; afinal a cidade seria invadida por milhares de turistas.
         Xandi Belo não dormiu; sua tara é
passar a mão em todas as garotas que andam pelo centro da cidade. Ficou bolando
quantas conseguiria apalpar na aglomeração da praça. Dito Pedra, aquele que
pede até para mendigo cinquenta centavos para comprar pão, também não conseguiu
pregar olho; ficou imaginando o tamanho da pedreira, digo, da futura padaria.
         Dona Armandina, conhecida como Dona
Dina Flor, comportamento de menininha da melhor idade, sapeca, desbocada e
festeira, passou a noite treinando novos palavrões; se vaiaram até a
presidente, imaginem outras autoridades! Estava decepcionada e não perdoaria
ninguém; Bonny… Bonny… Bonny… Dão… Dão… Dão… Cinha… Cinha…
Cinha… Me aguardem!
         O dia amanheceu prometedor; um assalto
frustrado a um Banco, quatro tiros num comerciante cadeirante, três furtos e
uma surra de deixar vivente na salmoura, dada por uma senhora com eiras e
beiras, ao vivo e a cores em praça pública em seu amado esposo por motivos de
chifradas no último carnaval e só agora descoberta. Os comerciantes prepararam
seus comes e bebes, os bares seus aperitivos, os ambulantes seus isopores
lotados com cerveja em lata super geladas, os vendedores de salgadinhos e
pasteis estavam aptos a atenderem os milhares de festeiros vindos de todos os
cantos do planeta… Só faltavam os carros de som chamar a população para a
praça; a espera era angustiante!
         As garotas que gastam o salário mensal
em um vestido, as aprendizes de madames que compram em suaves prestações e não
pagam, as viciadas em brechós, as que alugam roupas de marca em outras cidades,
as simples e humildes, com suas vestes esvoaçantes, salto alto e cara de
paisagem… Todas estavam preparadas para o inicio do mega evento e roíam as
unhas pintadas com as cores da bandeira.
         Dez horas da manhã faltou energia
elétrica que só voltou às dezoito e quinze; adeus vaias, adeus aplausos, adeus
desfile de moda. Dina Flor, Dito Pedra, Xandi Belo ficaram em suas casas; seus
sonhos não se realizaram… Ah sim! Os turistas? Pois é! E os turistas? E o
telão? Só no próximo jogo… Vamos aguardar!
Gastão
Ferreira/2014
Observação;
Esse texto é uma sátira. Os personagens, as situações e as vaias são
imaginários; o único fato real foi o apagão.

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