TROCANDO A COLEIRA ANTIGA

         Toby,
o cachorro da Princesa do Litoral, estava velho e acabado, ou melhor, estava curtindo
adoidado a melhor idade; agora nessa bela fase da vida podia correr atrás de
pássaros imaginários, enterrar ossos sem roer, cheirar sem malícia todas as
cadelinhas novas sem ser apontado como um cão pedófilo… O problema era as
dores reumáticas, a falta de dentes, a perda do olfato, a queda da pelugem, a
vista cansada e uma deficiência física devastadora; nessa etapa do existir se
transformara num cão sábio, um mestre em vivência, um cãoselheiro.
         Tiby,
o tataraneto de Toby, um filhote serelepe e cheio de problemas existenciais,
como convém a qualquer jovem que se preze, foi conversar com o tataravô; –
“Tatá, não me conformo do senhor ter abandonado a liderança da matilha… O
novo chefe começou a por as presas de fora e não está cumprindo as promessas
feitas durante a campanha…”
        
“Tiby, meu garoto! Desde que me conheço por cachorro, esse comportamento é
aceitável em política…” disse Toby.
        
“Mas não pode ser assim! Eu dei meu voto em confiança e ele está agindo ao
contrário do que prometeu…” queixou-se Tiby.
        
“Como assim, meu rapaz?” perguntou o ancião.
        
“Ele se uniu a todos os desafetos… Deram cargos a quem o ridicularizou… Sinto-me
enganado…” reclamou Tiby.
        
“Meu menino! Você ainda tem muito que aprender… Nunca elegemos alguém novo,
votamos no sistema e apenas trocamos de coleira… Cada novo representante
retira a antiga coleira e coloca uma nova em nosso pescoço, simples assim…”
disse o sensato velhinho.
        
“Não é possível que assim seja tatá! O senhor está falando isso para me
confundir.” reclamou Tiby.
        
“Vá por mim criança! Ainda me lembro dos tempos do cão Cymiro e suas
estripulias… Suas traquinagens fizeram história e marcaram época; ele deixou
vários malfadados herdeiros, idolatrados pela cachorrada, mas condenados pela
justiça. A falta de ética, a arrogância, a perseguição a desafetos sempre
marcaram nosso reino. Tivemos péssimos exemplos de governantes; Cão Zaldo, cão
Zecão e também uma velha cadela que quase levou a falência nossa comunidade…
Tentamos mudar e elegemos um estrangeiro, um cão policial, e depois retomamos
ao antigo costume de só ter mando os filhos da Princesa… Vai por mim! Nada
mudou. Só trocamos de coleira…” confessou o cão Toby.
        
“Pode ter certeza tatá, um dia tudo vai mudar… Novas lideranças estão
surgindo!” garantiu Tiby.
        
“Desse mato só sai oncinha, meu filhote! Você está se referindo ao midiático cão
Zill, o forasteiro? Uma boa pedida! Mas a cachorrada não quer mudanças, a
matilha quer despojos, maracutaias, cargos bem remunerados, pão e circo… Conheço
o meu eleitorado.”
        
“Com o cão Zill será diferente! Centenas de descontentes com a situação reinante
poderão unir-se e modificar o destino do reino…” afirmou o jovem cão Tiby.
        
“Talvez dê certo! Você esquece que além da matilha dos nove que se troca, se
vendem, se alugam, existem figurinhas carimbadas que jamais largam o osso e
sempre conseguem cargos comissionados e nunca desistem de atrapalhar o andar da
carruagem…” falou o velho cão.
        
“É mesmo tatá! A nova mudança terá de ser radical para que dê certo e eu vou
lutar para que tal ocorra, jamais venderei meu voto…” disse Tibe.
        
“Quem viver verá! Vamos somente trocar de coleira mais uma vez, acho eu…”
afirmou Toby.
        
“Dessa vez será diferente!” exclamou Tiby.
        
“Que Tupã te ouça, meu filho! Agora me deixa descansar e vá pular atrás do
bloco dos cachorrões… Vá!” pediu o cansado cão Toby.
         Tiby
saiu em vários blocos; um cão jovem, muito conhecido, pagou todas as despesas e
murmurou em sua orelha; – “Em 2016, conto com o seu voto! Vamos trocar a
coleira.”… Tiby sorriu e concordou; viva o pão!… Viva o circo!
Gastão Ferreira/2014  
          

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