Bonezinho Vermelho

         Bonezinho Vermelho morava num muquifo;
sua avó Cleide Everlaine vendia doces em engarrafamento de trânsito, alugava
crianças para pedintes, agenciava encontros secretos não muito secretos e batia
na neta toda a vez que a guria voltava para o barraco sem um tostão. O trabalho
de Bonezinho Vermelho era pedir um Reau a todos que encontrava pelos becos da
vida.
         A mãe de Bonezinho morreu num tiroteio
entre os manos do tráfico de drogas, uma rixa entre o Comando Vermelho e o
Comando Amarelo; Lorraine, a mãe de Bonezinho foi uma olheira do Comando
Vermelho e aos treze anos engravidou de Ziriguidum, um chefete do grupo,
assassinado num presídio aos quinze anos de idade; eis o porquê de Janda
Karolaine ter o apelido de Bonezinho Vermelho.  
         Naquela tarde Janda Karolaine afanou a
bolsa de uma garota da melhor idade, dentro tinha dois mil Reais; Janda comprou
para si roupas novas, alguns maços de cigarro, vários doces e uma garrafa de
vodca para sua avó. Faria uma surpresa a Cleide Everlaine; a velha ficaria
muito feliz.
         Entrou no barraco e deu de cara com alguém
dormindo na cama de vovó Cleide; pensou ser um freguês! Não era, pois parecia
ser uma mulher. Talvez fosse uma ladra, mas no casebre nada tinha para ser
roubado. Com medo de perder alguns neurônios em uma briga, perguntou; – “Quem é
você, criatura?”
         – “Sou sua vovó, minha querida…”
         – “Vovó tem o cabelo grisalho e o seu é
loiro…”
         – “Estou usando peruca, minha neta…”
         – “Você tem dentes perfeitos! Na vovó
estão faltando alguns…”
         – “É dentadura, amor… Venha! Dá-me um
abraço…”
         Janda puxou da navalha que guardava no
bolso e a encostou no pescoço da mulher; – “Quem é você, sua pilantra?” e dando
um puxão arrancou a peruca da desconhecida. “Ora, ora, mas não é o Dito Sereia!
Mais conhecido como a Loba. O quê o travéco está fazendo deitado na cama de
vovó Cleide?”
         – “Menina! Você quase me mata de susto.
Guarda a arma guria! Vim aqui tratar de negócios com a Everlaine e caí no
sono…”
         – “Negócios com vovó Cleide Everlaine!
Coisa boa não dever ser.”
         – “To carente de mil Reais! Estou
armando uma banca de pedra no fim da rua e necessito dessa grana para comprar a
mercadoria; caso ela arrumar o dinheiro, em dois dias devolvo três mil…”
         – “Acho que vovó não vai arranjar a
grana, ela está mais para prostituição infantil do que para tráfico de drogas;
eu te arrumo a bufunfa com a condição de virar sócia… Topas?”
         – “Fechado garota! Como você é dimenor
não vamos ter problemas…”
         Após cinco meses Janda Karolaine
adquiriu um Honda Civic e uma bela casa mobiliada, malhava diariamente em uma
academia, vestia-se modestamente e cursava uma escola pública; colocou a
propriedade em nome de vovó Lorraine, contratou Pedro Eduardo Martins como
motorista e Zico Um e Zico Dois, gêmeos e pistoleiros, como guarda-costas. A
Loba e alguns donos de bocas foram assassinados; um novo e poderoso chefe
surgiu, seu nome Bonezinho Vermelho.
         Bonezinho comprou fazendas e edifícios,
como era menor de idade, quinze anos incompletos, usou Pedro Eduardo como
laranja e testa de ferro; o moço foi morar no exterior e de lá dirigia
honestamente os negócios.
         Os investigadores descobriram que uma
tal de Bonezinho Vermelho era a nova comandante das bocas e armaram uma
emboscada; no tiroteio morreram Zico Um, Zico Dois e Cleide Everlaine… Acabei
de assistir na televisão o depoimento da neta de Cleide Everlaine, que abrindo
um guarda-roupa cheio de bonés vermelhos, explicou;
         – “Estes bonés vermelhos são todos de
minha avó; estou profundamente revoltada! Sempre pensei que vovó Cleide fosse
uma mulher decente… Só hoje, após essa batida policial descobri que ela era a
famigerada Bonezinho Vermelho, traficante e assassina; meu nome é Janda
Karolaine, sou estudante, tenho quinze anos, não fumo, não bebo e desconhecia
completamente as atividades criminosas de minha avó… Que será de minha vida?
Estou só no mundo! Nada tenho de meu, mas sou uma mocinha corajosa e aceitei um
emprego como babá no exterior. Na próxima semana assumirei essa tarefa; é um
serviço humilde, mas prefiro trabalhar honestamente do que ficar com algo que
pertenceu a Bonezinho Vermelho, de vovó Cleide só quero distância! Que descanse
em paz.”
Gastão
Ferreira/2014
        

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