BENEDICTA
Benedicta tinha um sonho, conhecer um parente. Foi dada em criação aos
dez anos de idade para uma mulher do Rio de Janeiro que se comprometera a
dar-lhe estudo e carinho. Foi transformada em empregada sem remuneração e
trabalhou a troco de comida e abrigo. Quando reclamava, além das surras,
castigos e pequenas torturas, a terrível frase:- “Você foi dada como um filhote
de cachorro! Cala a boca e seja grata.”
Benedicta apesar da pouca idade tentou
desesperadamente contatar com a mãe. Escrevia-lhe cartas contando seus inúmeros
problemas, nunca recebeu resposta. A menina apagou o passado, suas recordações
infantis, fechou a porta da mente e bem no fundo escondeu as saudades. Quando a
pessoa que a criou faleceu, esquecidas em uma gaveta encontraram todas as
sentidas cartinhas dirigidas como prece a uma mãe distante. Benedicta contava
com quase vinte anos e seu passado soterrado entre tantas dores; nunca perdeu a
esperança de rever os familiares.
Como toda a mocinha, apaixonou-se! A mãe de
criação não querendo perder a empregada gratuita, não permitiu o casamento.
Benedicta lutou por seu amor e casou-se contra a vontade da patroa, que como
presente de despedida lhe disse:- “Essa foi minha paga por tanta dedicação, sua
ingrata? Pois fique sabendo que sua mãe morreu e você jamais encontrará um
parente e nunca será feliz!”
Benedicta foi expulsa da casa com a roupa do
corpo. Casou-se, vieram quatro filhos. O tempo passou. Ela nunca esqueceu o
nome da mãe, Maria Santana e das poucas lembranças que afloravam de tempos em
tempos não conseguia diferenciar a realidade do sonho; brincava com amiguinhos japoneses, uma
capelinha no alto de um monte, pescadores e alguns nomes, Nadir, Silvio,
Antonio, Benedita, Aline, Félix. Quem seria?Qual sua participação na infância
de Benedicta! O nome o qual ela jamais se esqueceu, foi Iguape.
Em véspera de completar setenta anos, a filha
Ana resolveu dar um presente a Benedicta,a possibilidade de conhecer um
parente. Começou a procura. Ana e irmãos, criados no Rio de Janeiro, tinham
como ponto de partida as esparsas lembranças da mãe que devido aos traumas
infantis as soterrara no inconsciente e quando as mesmas afloravam, junto
vinham às sofridas recordações das pequenas e grandes maldades que povoaram sua
infância. Não queriam que a mãe sofresse, não podiam forçar suas recordações. O
único nome consistente era:- Iguape.
Jô, uma professora do interior de São Paulo
notou na internet (Orkut) uma mensagem de Ana e o nome Iguape chamou-lhe a
atenção, era sua cidade natal. Entrou em contato com Ana e forneceu-lhe o
e-mail de um desconhecido do qual lia pequenas sátiras num jornal cultural de
Iguape. Ana solicitou ajuda ao desconhecido. Foram dias e dias de uma inútil
procura. Na prefeitura local, nenhum parente de Benedicta constava do cadastro
de contribuintes. Sabia-se dos parentes porque a primeira providencia foi
procurar no cartório de registro de nascimento a certidão de Benedicta através
da data natalícia e nome dos pais. Pela primeira vez Benedicta ouviu o nome dos
avôs… Que alegria! Sua família existiu realmente.
O desconhecido vasculhou a cidade. Unidade de
saúde, obituários, igrejas, cartório eleitoral que negou ajuda. Foi atrás das
reminiscências do passado, as crianças japonesas, a capela, os pescadores…
Jipuvura? Um bairro onde foi fixada a primeira colônia japonesa no Brasil. Por
lá havia a capela sobre o monte, as crianças e os pescadores. O desconhecido
procurou pelos moradores antigos, fez dezenas de amigos, pessoas com quase cem
anos de idade buscavam em suas quase perdidas recordações por nomes do passado,
queriam ajudar… Dona Benedicta não podia ser forçada a recordar-se, já
sofrera em demasia.
O município de Iguape é imenso, 1.964 km
quadrados, 70% florestas, com dezenas de bairros rurais a margens de rios,
montanhas e lagamar. Transporte precário, época de chuvas, locais distantes e
de difícil acesso. O desconhecido tinha que se apegar as recordações da menina
Benedicta, as crianças japonesas, uma capelinha sobre o monte e os pescadores.
Iguape vive de pesca artesanal e possui dezenas de pequenos rios que deságuam
no grande rio Ribeira de Iguape e cada vila tem sua capelinha em um lugar mais
elevado.
O desconhecido fica desesperado, Ana não tem
como fornecer informações, não podia questionar a mãe com falsas esperanças. O
desconhecido possui um blog (www.eu-amo-iguape. blogspot.com) com centenas de
fotos de Iguape e como última tentativa pede à Ana que mostre as fotos a sua
mãe. Benedicta ao ver uma foto da estação ecológica da Juréia, onde estava
escrito Cerro Azul começou a balbuciar:…Azul!…Cerro Azul!…Eu nasci em
Cerro Azul…
O desconhecido retornou ao cartório de registro
de nascimentos e fala com a cartorária Márcia, que a essa altura da história já
era sua amiga no Orkut e pediu para analisar pessoalmente a certidão de Benedicta,
pois na vez anterior o auxiliar de cartório apenas lhe fornecera os dados (pai,
mãe, avós, etc.) que constavam do documento. E lá estava o bairro Subauma,
Iguape e nesse local havia uma pequena vila chamada Cerro Azul.
O detetive novamente sai à procura de habitantes
de Subauma que moram em Iguape, encontrou dona Helena no bairro do Rocio, a
idosa senhora foi amiga dos parentes de dona Benedicta, forneceu o nome de
alguns tios e o telefone. Ana telefonou ansiosa para o tio de sua mãe. Não
quiseram atender a ligação do Rio com a estranha história, temerosos de que
fosse um trote ou coisa pior.
Dona Benedicta depois de tanto tempo estava
próxima de conhecer um parente. Não pediu, mas o desconhecido vai até Cerro
Azul. O tio procurado havia vendido o sitio e se mudara para Pariquéra, um
município vizinho, mas segundo o vigia do sitio, os parentes moravam a uns 5 km,
em Subauma. O detetive foi a pé, era pertinho como disse o caseiro. Todos os
parentes de dona Benedicta estavam por lá. Tios, primos e surpresa das
surpresas, dona Benedicta tinha um irmão Silvio, que ela em suas lembranças
julgava ser um coleguinha de infância. A capela estava sobre um pequeno monte e
os amiguinhos japoneses de dona Benedicta eram pequenos curumins de uma tribo
indígena que está localizada a um quilometro do centro da vila.
Dona Benedicta ficou feliz, antes do final do
ano virá a Iguape para abraçar um por um seus velhos tios que também a julgavam
perdida para sempre nesse vasto mundo, mas que nunca a esqueceram.
A vida é isso, essa maravilha mutável que nos
espanca e nos acaricia. Nunca desistam de sonhar, de acreditar, tudo flui e
tudo pode acontecer, basta à boa vontade de acreditar e querer ser útil, de se
colocar no lugar do necessitado e estender a mão na hora do socorro. Somos
todos comparticipes desse mistério chamado existir, irmãos em humanidade e
filhos da mesma fonte criadora. Felicidade e paz dona Benedicta, um
desconhecido realizou o seu sonho. Obrigado a todos que me auxiliaram nessa
busca, vocês fazem a diferença em nossa Iguape, todos nós saímos vencedores.
dez anos de idade para uma mulher do Rio de Janeiro que se comprometera a
dar-lhe estudo e carinho. Foi transformada em empregada sem remuneração e
trabalhou a troco de comida e abrigo. Quando reclamava, além das surras,
castigos e pequenas torturas, a terrível frase:- “Você foi dada como um filhote
de cachorro! Cala a boca e seja grata.”
Benedicta apesar da pouca idade tentou
desesperadamente contatar com a mãe. Escrevia-lhe cartas contando seus inúmeros
problemas, nunca recebeu resposta. A menina apagou o passado, suas recordações
infantis, fechou a porta da mente e bem no fundo escondeu as saudades. Quando a
pessoa que a criou faleceu, esquecidas em uma gaveta encontraram todas as
sentidas cartinhas dirigidas como prece a uma mãe distante. Benedicta contava
com quase vinte anos e seu passado soterrado entre tantas dores; nunca perdeu a
esperança de rever os familiares.
Como toda a mocinha, apaixonou-se! A mãe de
criação não querendo perder a empregada gratuita, não permitiu o casamento.
Benedicta lutou por seu amor e casou-se contra a vontade da patroa, que como
presente de despedida lhe disse:- “Essa foi minha paga por tanta dedicação, sua
ingrata? Pois fique sabendo que sua mãe morreu e você jamais encontrará um
parente e nunca será feliz!”
Benedicta foi expulsa da casa com a roupa do
corpo. Casou-se, vieram quatro filhos. O tempo passou. Ela nunca esqueceu o
nome da mãe, Maria Santana e das poucas lembranças que afloravam de tempos em
tempos não conseguia diferenciar a realidade do sonho; brincava com amiguinhos japoneses, uma
capelinha no alto de um monte, pescadores e alguns nomes, Nadir, Silvio,
Antonio, Benedita, Aline, Félix. Quem seria?Qual sua participação na infância
de Benedicta! O nome o qual ela jamais se esqueceu, foi Iguape.
Em véspera de completar setenta anos, a filha
Ana resolveu dar um presente a Benedicta,a possibilidade de conhecer um
parente. Começou a procura. Ana e irmãos, criados no Rio de Janeiro, tinham
como ponto de partida as esparsas lembranças da mãe que devido aos traumas
infantis as soterrara no inconsciente e quando as mesmas afloravam, junto
vinham às sofridas recordações das pequenas e grandes maldades que povoaram sua
infância. Não queriam que a mãe sofresse, não podiam forçar suas recordações. O
único nome consistente era:- Iguape.
Jô, uma professora do interior de São Paulo
notou na internet (Orkut) uma mensagem de Ana e o nome Iguape chamou-lhe a
atenção, era sua cidade natal. Entrou em contato com Ana e forneceu-lhe o
e-mail de um desconhecido do qual lia pequenas sátiras num jornal cultural de
Iguape. Ana solicitou ajuda ao desconhecido. Foram dias e dias de uma inútil
procura. Na prefeitura local, nenhum parente de Benedicta constava do cadastro
de contribuintes. Sabia-se dos parentes porque a primeira providencia foi
procurar no cartório de registro de nascimento a certidão de Benedicta através
da data natalícia e nome dos pais. Pela primeira vez Benedicta ouviu o nome dos
avôs… Que alegria! Sua família existiu realmente.
O desconhecido vasculhou a cidade. Unidade de
saúde, obituários, igrejas, cartório eleitoral que negou ajuda. Foi atrás das
reminiscências do passado, as crianças japonesas, a capela, os pescadores…
Jipuvura? Um bairro onde foi fixada a primeira colônia japonesa no Brasil. Por
lá havia a capela sobre o monte, as crianças e os pescadores. O desconhecido
procurou pelos moradores antigos, fez dezenas de amigos, pessoas com quase cem
anos de idade buscavam em suas quase perdidas recordações por nomes do passado,
queriam ajudar… Dona Benedicta não podia ser forçada a recordar-se, já
sofrera em demasia.
O município de Iguape é imenso, 1.964 km
quadrados, 70% florestas, com dezenas de bairros rurais a margens de rios,
montanhas e lagamar. Transporte precário, época de chuvas, locais distantes e
de difícil acesso. O desconhecido tinha que se apegar as recordações da menina
Benedicta, as crianças japonesas, uma capelinha sobre o monte e os pescadores.
Iguape vive de pesca artesanal e possui dezenas de pequenos rios que deságuam
no grande rio Ribeira de Iguape e cada vila tem sua capelinha em um lugar mais
elevado.
O desconhecido fica desesperado, Ana não tem
como fornecer informações, não podia questionar a mãe com falsas esperanças. O
desconhecido possui um blog (www.eu-amo-iguape. blogspot.com) com centenas de
fotos de Iguape e como última tentativa pede à Ana que mostre as fotos a sua
mãe. Benedicta ao ver uma foto da estação ecológica da Juréia, onde estava
escrito Cerro Azul começou a balbuciar:…Azul!…Cerro Azul!…Eu nasci em
Cerro Azul…
O desconhecido retornou ao cartório de registro
de nascimentos e fala com a cartorária Márcia, que a essa altura da história já
era sua amiga no Orkut e pediu para analisar pessoalmente a certidão de Benedicta,
pois na vez anterior o auxiliar de cartório apenas lhe fornecera os dados (pai,
mãe, avós, etc.) que constavam do documento. E lá estava o bairro Subauma,
Iguape e nesse local havia uma pequena vila chamada Cerro Azul.
O detetive novamente sai à procura de habitantes
de Subauma que moram em Iguape, encontrou dona Helena no bairro do Rocio, a
idosa senhora foi amiga dos parentes de dona Benedicta, forneceu o nome de
alguns tios e o telefone. Ana telefonou ansiosa para o tio de sua mãe. Não
quiseram atender a ligação do Rio com a estranha história, temerosos de que
fosse um trote ou coisa pior.
Dona Benedicta depois de tanto tempo estava
próxima de conhecer um parente. Não pediu, mas o desconhecido vai até Cerro
Azul. O tio procurado havia vendido o sitio e se mudara para Pariquéra, um
município vizinho, mas segundo o vigia do sitio, os parentes moravam a uns 5 km,
em Subauma. O detetive foi a pé, era pertinho como disse o caseiro. Todos os
parentes de dona Benedicta estavam por lá. Tios, primos e surpresa das
surpresas, dona Benedicta tinha um irmão Silvio, que ela em suas lembranças
julgava ser um coleguinha de infância. A capela estava sobre um pequeno monte e
os amiguinhos japoneses de dona Benedicta eram pequenos curumins de uma tribo
indígena que está localizada a um quilometro do centro da vila.
Dona Benedicta ficou feliz, antes do final do
ano virá a Iguape para abraçar um por um seus velhos tios que também a julgavam
perdida para sempre nesse vasto mundo, mas que nunca a esqueceram.
A vida é isso, essa maravilha mutável que nos
espanca e nos acaricia. Nunca desistam de sonhar, de acreditar, tudo flui e
tudo pode acontecer, basta à boa vontade de acreditar e querer ser útil, de se
colocar no lugar do necessitado e estender a mão na hora do socorro. Somos
todos comparticipes desse mistério chamado existir, irmãos em humanidade e
filhos da mesma fonte criadora. Felicidade e paz dona Benedicta, um
desconhecido realizou o seu sonho. Obrigado a todos que me auxiliaram nessa
busca, vocês fazem a diferença em nossa Iguape, todos nós saímos vencedores.
Gastão Ferreira
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.