APAGADA

                Maria Rita caminhava
tranquila pelo meio-fio na avenida principal da pacata cidade; na calçada
garotos de bicicleta e skate passavam velozes desviando de moradores de rua, que
deitados no passeio público, impediam a passagem de pedestres pelo local.
         Robson Bred Silva, 16 anos, vulgo
“Caco-véio”, um garoto esperto e moderno, tendo ao lado sua amiga e camarada
Jessica Kãmila de Alencastro Joio, 13 aninhos completos, dirigia moderadamente
a 140 km por hora o carro do pai. Conversavam sobre os últimos acontecimentos;
a rave da noite anterior, o nascer do sol visto do alto do Morro do Espia, os
pegas noturnos na orla do lagamar, as expectativas para o próximo carnaval…
Jessica gritou; – “Cuidado “Caco-véio”, uma muié na pista! ”… Maria Rita nem
sentiu a batida; apagou na hora.
         Maria Rita entrou no novo supermercado
da avenida e foi informada; – “Como primeira freguesa do Noite, no dia de hoje,
a senhora tem o privilégio de uma grande compra grátis… Pode encher o carrinho
com os produtos de sua preferência… Parabéns!”
         Rita pegou vários perfumes importados,
potes de caviar, quilos de salmão, um pacote da rara e verdadeira farinha de
mandioca do Momuna, cinco garrafas de azeite de oliva português e meio quilo de
carne moída de segunda, que ninguém é de ferro nessa vida. Um empacotador,
muito gentil, agradeceu sua presença informando que como primeira compradora do
dia, no novo supermercado Noite, não lhe daria cupons para participar do
sorteio semanal de brindes, mas, um cheque de vinte mil Reais… “Boa sorte!
Volte sempre. Ah! Como à senhora não tem automóvel pode levar o carrinho de
presente, assim fica mais fácil de transportar as compras”, disse sorrindo o
empacotador.
         Maria Rita ficou pasma; a avenida
estava totalmente arborizada, nenhum entulho a vista, nada de pedinte deitados nas
calçadas. Frente a cada loja uma estátua chamava a atenção da clientela
convidando para conhecerem o estabelecimento, cestas de lixo coloridas em três
cores diferentes a cada cinquenta metros, o chão completamente limpo, faixas de
pedestres respeitadas para quem atravessasse a rua; – “Não pode ser a minha
cidade! Estou sonhando acordada.”… Notou que as compras desapareciam do
carrinho… Desmaiou.
         As duas enfermeiras dialogavam; – “O
menino está traumatizado! Pobre criança. Um psicólogo foi chamado com urgência,
vem de Registro de helicóptero… O guri tem apenas 16 anos, não consegue ainda
discernir o certo do errado… Graças a Deus não sofreu nenhum ferimento e o
carro está intacto…”
         – “Quanto à mulher atropelada?” indagou
a outra enfermeira.
         – “Teve varias lesões; roubaram a
carteira com os documentos e o dinheiro da aposentadoria, para pagar as contas
do mês, desapareceu… A paciente está em boas mãos, sendo atendida por um
médico cubano… Está apagada… Logo acorda, mas, não se preocupe o SUS dará
um jeito, ficará novinha em folha daqui a seis meses.”
        
Gastão
Ferreira/Iguape/2014
          
 
          
 

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