A última pescaria

Eram quatro horas da manhã de
uma quinta-feira da Semana Santa; a neblina cobria o meu campo de visão. Olhei
para a rua e lá fora a única coisa que descortinei foi a luz opaca vinda de um poste
caindo aos pedaços. Meu café descia lentamente por aquele velho coador que há
muitos anos me serve o melhor café de Iguape. Foi só pensar em Iguape e um mar
de emoções me invadiu; parece que algo de muito estranho está para acontecer
comigo.
O dia anterior não foi dos
melhores. Junto a Ramiro meu melhor amigo e parceiro de pesca, saímos como de
costume; carregar as pesadas redes é um desgastante serviço para obter pouco
mais de dez quilos de bagres. O rio Ribeira não estava para peixe, e hoje
tentaremos o mar. Dizem os antigos que devemos evitar pescar na sexta-feira da
Semana Santa, assim sairemos à tarde de quinta-feira e voltaremos bem antes da
meia-noite.
Passamos a manhã preparando
e concertando as tralhas; pescar em mar aberto requer cuidados especiais e para
tanto seguimos o antigo ritual. O ritual para uma boa pesca consiste em arrumar
corretamente as redes e remendar eventuais buracos, levar água potável, comida
saudável e, o principal, nunca se esquecer de dar uma passadinha no bar de Seu
Sebastião para tomar daquela água que passarinho não bebe.
À tarde, no porto, Seu
Pepinho já aguardava a todos e cumprimenta a cada um de nós com o seu famoso “Deus
que te abençoe filho”. Aquela pescaria seria diferente, eu tinha um
pressentimento de que algo inusitado aconteceria. Perto da Ponte Bimunicipal,
Ramiro comentou: – “Parece que o Seu Pepinho está tentando nos avisar de algo”,
“Que nada”, respondi, “está apenas nos acenando um até breve”.
A pesca foi excelente;
dezenas de robalos, algumas pescadas amarelas e muitas tainhas. Estávamos
distante da costa, frente à Ilha Comprida e de repente o tempo mudou; começa a
ventar, nuvens negras de chuva se aproximam rapidamente, trovoadas e relâmpagos
anunciam a tempestade iminente. Hora de voltar para a segurança da terra firme
e só então me toquei da razão dos acenos de Seu Pepinho; esquecemos em terra o
galão extra de gasolina e o tanque agora estava na reserva.
         Muitas horas se passaram e nós lutando contra a aguaceira;
perdemos a noção do tempo e do espaço. As ondas imensas levaram os peixes, as
redes e tudo o que estava dentro do frágil barco. Ramiro rogava a ajuda do Bom
Jesus e eu tentava desesperado direcionar o barco para a praia que já estava à
vista. Um raio caiu próximo e eu desmaiei…
         Acordei e notei um vulto tentando reanimar Ramiro. Era um
homem com um chapéu de abas largas e trajando uma negra capa; – “O que
aconteceu?” perguntei.
         – “O barco surucou” disse o estranho.
         – “Quem é o senhor? O que quer?” indaguei.
         – “Quero uma vela benta… Necessito de uma vela benta
desesperadamente.”, informou o homem.
         – “O que é uma vela benta? Para que o senhor quer uma vela
numa hora destas!”, gritei estirado na areia.
         – “Uma vela benta é uma vela abençoada por um padre; eu
morri num naufrágio há trinta anos e hoje é sexta-feira santa, dia em que os
mortos andam livremente pela terra em busca de auxílio. Quero uma vela para
iluminar o meu caminho de volta para a vida… Por favor! Vocês são os
primeiros viventes com os quais consegui falar… Por favor! Ajude-me.”
         Novamente desmaiei e desta vez de pavor; acordei com Ramiro
ao meu lado tentando me reanimar e sem entender nada do que aconteceu. Era uma
hora da manhã de uma sexta-feira da paixão, perto de nós, na areia, notei um
chapéu de abas largas e uma capa preta abandonada… Foi minha última pescaria!
Roderick Jaynes

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