A MALDIÇÃO DE BELLA

         Quando Bella nasceu, uma bruxa vaticinou; -“ Princesinha,
princesinha, tu nunca serás rainha…”
         Os habitantes do reino expulsaram a bruxa para além das
terras lusitanas do Tratado de Tordesilhas. Para o bem da verdade, que fique
claro, que o banimento não teve nada a ver com a praga ao bebê; a feiticeira
fomentara uma revolta entre os índios guaranis contra madame Cananeia, a doce
mãe de Bella, que tentava impor-se como a jovem rainha das novas terras
recém-descobertas.
         Bella cresceu cheia de nove horas, birrenta e brigona, que o
diga seu irmão Vicente, um garoto piedoso e casto, quase um santo este São
Vicente!O guri foi afastado da mãe na infância, pois Bellinha tentava de todas
as maneiras dar um sumiço na criança.
         Bella não suportava a presença da mãe, Complexo de Electra,
descobririam séculos depois. A garota sentia a falta do carinho paterno e papai
Portugal morava longe. Nem bem chegada a maior idade foi expulsa de casa… Sem
traumas! Ganhou um grande dote e foi ser chique na vida.
         Construiu moradia para os lados da Jureia, apesar da
distância brigou feio com o irmão Vicente, chegou ao extremo de incendiar a
casa do coitado. Não gostou do novo domicílio e mudou de vez para os baixios do
Morro do Espia; fez o maior sucesso! Ficou famosa, conhecida no mundo inteiro,
ganhou até diploma de honra ao mérito, fez questão de esfregar o dito cujo na cara
de mamãe Cananeia.
         Com o passar do tempo ficou riquíssima, suas empregadas
espalhavam ouro nos cabelos, dominou rios e vales, mandava e desmandava, era
admirada em todo o país. Num famoso sarau, que reunia a fina flor da sociedade
em flor, um poeta, um vate um tanto alterado pelo vinho importado da Europa
ergueu um brinde; – “A Bella, a Princesa do Litoral! Que possamos coroá-la
nossa rainha.”
         Tal brinde teve a força de despertar a maligna bruxa, aquela
que rogou a praga; “Princesinha, princesinha, tu nunca serás rainha”… Os que
estavam presentes no sarau jamais se esqueceram; um vendaval vindo do sul,
provavelmente da Argentina, país onde mora a feiticeira, destelhou o palacete
onde ocorria a noitada boêmia e a partir daquela noite o reino de Bella
conheceu a decadência; seus filhos abandonaram o lar ancestral, cada um levando
como dote uma parte do imenso reino. Ouro, arroz, escravos, portos fluviais,
tudo começou a desaparecer de uma hora para outra. Bella estava pobre! A
maldição se concretizou.
         Muitos príncipes tentaram romper a maldição com um beijo de
amor. Mas o amor tão propalado era falso… Bella deu de tudo aos príncipes;
mordomias, poder, mando e coisas que só empobreciam o reino e aumentavam a
fortuna do príncipe da vez. O Príncipe Encantado ainda não apareceu até hoje.
         Recentemente Bella completou 475 anos, aprendeu muito com
tanto sofrimento; já não acredita em encantados, no amor que exige mordomias,
nos muitos foguetes, nos discursos e promessas nunca realizadas. Olha para seus
filhos e nota que a maioria progrediu; Registro, Sete Barras, Miracatu,
Itanhaem, Pariquera, todos se sobressaindo no Vale, até sua velha mãe Cananeia
está rejuvenescendo… Bella está tentando fazer as pazes com mamãe Cananeia.
Ilha Comprida, a última filha de Bella, se comportou da mesma maneira como
Bella agiu no passado com a própria mãe e a Princesa do Litoral entendeu que o
que aqui se faz aqui se paga.     
         Bella já abriu os olhos; bom sinal! Não está aceitando
pacificamente desmandos e começou a cobrar ética, honestidade, lealdade dos
muitos filhos. Sabe que rainha jamais será; a bruxa acertou na praga. Mas quem
necessita ser rainha? O importante é ser feliz! Toda a mãe sabe que para ser
feliz basta ser amada, respeitada, mimada pelos filhos… Feliz Aniversário
mamãe Iguape, a Bella princesa do litoral.
Gastão
Ferreira/Dezembro-2013

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