A mosca azul

         A
cidade era antiga, povo gentil, gente amável e hospitaleira. As pessoas se
cumprimentavam, faziam compras, bebiam, comiam, festavam e fofocavam. Lugar bom
para se viver, a cidade era cercada por montanhas, e banhada por um imenso
lagamar; quase um paraíso.
         Quase
um paraíso? Ali, algo de muito estranho ocorria, e ninguém sabia a explicação
para o fenômeno; o moço educado de uma hora para outra, assim sem mais nem
menos, passava à ser grosseiro, arrogante, insuportável. A menina gentil e
sorridente, atendente do supermercado, se transformava em uma pessoa
intolerante. O senhor de idade avançada, alegre e bem disposto, passava sem
motivo aparente à ofender em plena via pública seus velhos camaradas.
         Juntos
e misturados celebravam o milagre do existir, e de repente, o barraco estava
armado; gritos, impropérios, baixarias, e sem querer querendo, estavam todos se
abraçando, sorrindo, esquecida as ofensas e vilanias… A vida fluía, o tempo
passava, e tudo se repetia. Não disse! Algo de muito estranho ocorria na pacata
cidade.
         Quando
Dona Gercy, a anta, uma humilde serva do Senhor, se transformou numa criatura
detestável e mesquinha, o povo ficou horrorizado e despertou, pois algo bizarro
se passava; chegou a hora de descobrir o que se escondia por trás de tal
comportamento descabido.
         Depois
de muita pesquisa histórica, bate boca, xingamento pelo facebook, consulta aos
sobreviventes da terceira e quarta idade, algo veio à luz; Ditinho Pregereva
andava a pé, comprou uma bicicleta velha e começou à se achar a última manjuba
do Ribeira. A menina Andressa arrumou um trabalho na farmácia e passou a andar
de nariz empinado, e sem esquecer de Dona Gercy, tão simpática e prestativa,
que após ganhar um cargo comissionado ficou insuportável. Algo em comum unia
estas pessoas; o que seria? Não seria fácil descobrir o motivo das mudanças.
         Foi
Dona Cotinha quem desvendou o mistério; seu neto Fabinho alterou o
comportamento. Não era usuário de droga, não bebia, não fumava, não fazia
outras coisas, e num piscar de olhos se transformou. Estavam os dois
conversando amenidades; quem pulou a cerca na noite anterior, quem falou mal do
prefeito e depois ficou mansinho após ganhar um cargo bem remunerado, quem se
apaixonou por um romeiro na última festa e agora espera a próxima festa para
apresentar a criança ao pai desconhecido.
         No
meio da conversa, uma mosca azul entrou na cozinha, pousou no braço de Fabinho,
picou o rapaz. Dona Cotinha espantou o inseto, e foi neste momento que Fabinho
mudou de comportamento; o enigma estava solucionado, quem alterava as pessoas
era uma mosca azul.
         A
mosca azul, quem diria! Cientistas analisaram a mosca azul. A sacana possuía um
hormônio que potencializava a maldade, o egoísmo, a arrogância, a prepotência
humana; bastava uma picada e a pessoa mostrava o seu lado obscuro, a
perversidade contida, a falta de caráter, a ruindade mascarada, o coração
perverso.
         Nada
mudou na pacata cidade, pois o antídoto que existe para a picada da mosca azul
é o amor e o respeito; amor aos semelhantes, amor aos animais, as plantas,
respeito a natureza, e amor e respeito ao próximo não se vendem, ou se tem, ou
não se tem.
         Cuidado
ao notarem uma mosca azul, ela pode mudar a sua vida, à menos que você seja uma
pessoa boa, de bem com a vida, com muito amor próprio e conhecedor das
profundezas de sua alma, sendo assim é fatal; a mosca não tem vez.
Gastão Ferreira/2017   
          
          

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