A história de Perdido

         O
cão Perdido foi adotado por Dona Cotinha Gambá; ele foi jogado de um caminhão
de mudanças que passou pelo sitio. O cachorro sabe de muitas coisas, foi criado
na cidade grande, só comia ração sabor carne, e bebia água filtrada. A primeira
vez que conversei com Perdido, estranhei; estava latindo para um ouriço, e
escapou por pouco de ser espetado por espinhos doloridos.
         Tinha
um linguajar peculiar, falava palavrões, roubava ossos escondidos, espantava
galinhas, detestava gatos; um perdido, o Perdido. Não reclamávamos das suas
estranhas manias, morríamos de dó, pois ser abandonado ainda na adolescência
deve ser terrível, e ser atirado de cima de um caminhão, nem se fala! 
         Cão
jovem, cheio de malandragem, nascido numa cidade grande, as cadelinhas sempre
no cio, babavam. As fêmeas adoram um malandro; nada como viver perigosamente.
Um dia depois de apanharem e passar fome, abandonam o amor bandido e procuram um
pobre coitado honesto para o sustendo diário, e infernizam a vida do infeliz
para sempre.
         A
confusão começou no dia em que surpreendemos Perdido se apossando do que não
era dele; o osso preferido do cão Raimundo, o fedido. Ray detestava banho,
nunca se jogou no rio para nadar, e “hora do banho” era a senha para se
embrenhar no mato e ficar dias desaparecido.
         Raimundo,
o fedido, enterrou um osso de capivara, animal silvestre, de carne saborosa e
cuja a caça era proibida por lei. O Perdido encontrou o esconderijo e todos os
dias compartilhava da gostosura; Ray notou que o osso diminuía, pensou que era
alguma travessura de um Saci, conversou com os amigos, e montamos uma campana;
o meliante era o safado do Perdido.
         Colocamos
o ladrão no centro de um círculo, e exigimos explicações. Perdido foi bem
descarado e nem negou o crime; – “Fiz uso campeão! É um direito meu. O osso
estava abandonado, sem dono… Não tem dono? É meu.”
         O
cão Aristóteles, criado na casa do advogado doutor Paulo Henrique, que sabia de
muitas coisas, disse; – “O termo certo é usucapião”. O filhote Saidaí não
concordou; – “O certo é uso lampião, eu sei!”, Aristóteles rosnou ameaçador; –
“Se manda, guri!”, o cachorrinho Saidaí escafedeu-se. A máscara caiu! Perdido
confessou que foi criado na rua, foi adotado por um pedinte, aprendeu a fazer
cara de fome, cara de tarado, cara de bonzinho, cara de mau e muitas outras
caras.
         Sentia
saudade do amigo pedinte; o mendigo que o adotou, por motivo de força maior,
foi forçado à abandonar a cidade grande. Por descuido riscou com uma faca a
lataria de um carro que pediu para cuidar, o safado do dono do veículo se negou
à pagar os poucos minutos em que o carro ficou estacionado na via pública. O
homem mau chamou a polícia, e fim da história, Perdido e o pedinte fugiram e
subiram num caminhão de entrega de bebidas, abriram algumas garrafas e o
cachorro bêbado caiu do caminhão.
         No
sitio fomos criados com algumas regras; nunca entrar dentro da casa, não matar
galinhas e outras aves domésticas, não roubar, só fazer cocô longe de casa.
Perdido quebrava todas as regras, foi expulso do sitio, ou melhor fugiu no
caminhão coletor de lixo. Voltou para a cidade grande, sei disso porque a
garota Emmylle, que não sai do facebook, comentou a notícia; – “Um lindo
filhote de Pastor Belga encontrado na Praça da Matriz, foi encaminhado para
adoção.”, o cão era o Perdido.
         As
cadelinhas do sitio estão todas tristes, doidas para uma rápida visita à cidade
grande; só espero que elas não fujam de casa para viverem um grande amor, um
amor bandido.
Omisso, um cão rural.
Gastão Ferreira/2017  
        
             

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