A casa da Rua XV

         Quando o coronel Zenóbio morreu, seus
escravos revoltados atearam fogo ao casarão, e seu corpo nunca foi encontrado.
As ruinas comprovam a riqueza que o cercou em vida. O homem era tão ruim que as
árvores da sua propriedade se negam à frutificar até os dias atuais.
         Muitas lendas cercam o local; o
sacristão Pedro Parente avistou um vulto de branco se locomovendo na casa, fugiu
da vila, e foi ser caixeiro viajante. A menina Dorothéa jura que ouviu um grito
vindo da habitação abandonada. A donzela saiu em disparada e se abraçou ao
mancebo Androval que passava
distraído pelo logradouro; Androval, que nem pensava
em
casamento, foi forçado às
núpcias com a virgem Dorothéa; coisas da época! Abraçou, tem que casar. 
         As histórias são de longe, final do
século XVIII, a cidade é antiga, e esconde muitos segredos. As ruinas comprovam
que ninguém conseguiu se apossar do terreno; teve gente que tentou. Seu Dito
Grileiro foi um deles, enlouqueceu. Seu Pierre, o francês ateu, virou
macumbeiro e foi morar em Cananéia. Assim o tempo passou, mas ontem um fato
estarrecedor ocorreu.
         Fim da contagem das urnas, um dos
candidatos perdedor, e que estava certo da vitória, dera uma grande festa ao
povo. Muita cachaça, espetinho de carne, cerveja em lata. Um grupo de seus
seguidores passou frente ao prédio, mesmo alcoolizados, ouviram os gemidos
vindos da casa abandonada. O álcool dá coragem, e invadiram o local.
         Noite chuvosa, pouca claridade; os
lamentos vinham dos fundos da casa. O casarão era um cemitério de pipas,
centenas de pandorgas cobriam o chão, informando que durante séculos nenhum
guri teve a coragem de recuperar o brinquedo favorito. O miado de um gato preto
quase pôs a turba à correr; apenas um caçador faminto à cata de ratos. Os
gemidos continuavam, e pareciam formal palavras; pél, pél, pél, pél….
         Chico Valente não se acovardou; – “Quem
está aí?” gritou.
         – “Pél, pél, pél…”, foi a resposta.
         Bêbado enfrenta qualquer perigo;
armados de pedaços de paus procuraram a assombração. Num canto um vulto
agachado, gemia. Prontos para descer o sarrafo na visagem, foram contidos por
Evandro Jaguatirica; – “Parem todos! É o infeliz do Dito Gago que está fazendo
cocô.”, disse o rapaz.
         Não demoraram para entender o que
acontecia; Dito Gago comera um espetinho de carne, a carne estava estragada, a
maior diarreia. Longe de casa, apertado ao extremo, entrara nas ruinas, e gago
como era, estava lamentando a falta de papel…. Pél… Pél… Pél.  
Gastão
Ferreira/2016

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