A árvore do enforcado
         Era uma goiabeira branca; difícil colher goiaba madura, a
molecada as comiam verdes e só nos ramos mais altos é que elas maduravam por
completo.
         Era uma goiabeira antiga; meu pai costumava colocar visgo em
seus galhos para pegar passarinhos, coisa que hoje em dia ninguém mais faz.
         Era uma goiabeira linda; toda enfeitada de brancas flores e
com tantos pássaros em suas ramas que as famigeradas moscas da goiaba nem se
aproximavam.
         Era uma goiabeira famosa; – Onde você mora, menino? Moro na
rua da goiabeira branca! Ah, conheço! Sei aonde fica e como são gostosas
aquelas goiabas.
         Zé Pinguim estava apaixonado por Maria Quenquém; todos nós
sabíamos, menos a Quenquém. O Zé era tímido, um tanto envergonhado, mas era um
guri muito estimado; desde criança não podia ver uma senhora carregando algo
pesado que logo pedia para ajudar. Catava latinha de alumínio, garrafa vazia,
carpia terreno e não enjeitava serviço. Ele estava com dezesseis anos.
         Maria Quenquém estava com quinze anos, menina se desenvolve
rápido, Quenquém era mocinha. Na escola todos tinham um rabicho por ela; um
tanto exibida a guria! Uma pobre que gostava de ostentar. Seu pai, Nicolau
Quenquém, era dono de uma vendinha e não media esforço para contentar a
filhota.
         A menina sonhava alto; um dia casaria com o filho de um
vereador, gente que ganha bem, ou quem sabe com o herdeiro de um prefeito que
abiscoita muito mais e manda adoidado. Ela estava de olho no Artur, filho de
uma senhora do Conselho Tutelar e futura candidata a “casa do povo”.
         Zé Pinguim quase se matou de catar latinhas durante a
temporada, mas valeu a pena, com a grana comprou uma camiseta de marca, uma
bermuda maneira e um boné modernoso. Tomou coragem e se declarou a Maria
Quenquém; disse todas aquelas coisas que adolescente apaixonado acha que nunca
alguém falou para a pessoa amada; contou de seus sonhos, dos planos para o
futuro, o que queria ser na vida, disse da sua honestidade, bondade, falou do
amor que sentia por Quenquém e pediu uma chance para provar que ela era a
mulher de sua vida.
         Maria Quenquém deu uma boa gargalhada e falou para que toda
a rua ouvisse; – “Te enxerga pobreza! Nem uma bicicleta tem e vem por panca com
uma garota fina como eu. Eu mereço coisa melhor; cresça e apareça! E, nunca
mais olhe na minha cara seu bicho do mato. ”
         O mundo acabou para Zé Pinguim, não conseguiu suportar o
desprezo de Maria Quenquém. Pinguim subiu no galho mais alto da goiabeira
branca e se enforcou.
         Todos amavam o Zé Pinguim; os colegas de escola, as senhoras
para quem carregava compras, os pescadores aos quais ajudava a destalar peixes,
os compradores de latinhas de alumínio, os pedintes com quem dividia o seu
lanche. Até a goiabeira branca, a seu modo, amava o menino Zé Pinguim.
         A árvore do enforcado, a bela e antiga goiabeira, por vários
anos não deu uma fruta. No ano em que Maria Quenquém se casou com Dito Taquara,
o moço que vende geladinho na praça, a goiabeira voltou a dar fruto e ninguém
sabe o porquê das goiabas que eram brancas, agora serem vermelhas e todas bichadas.
Gastão Ferreira/2016   

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