A caneta do imperador

         O
reino estava passando por uma crise braba; ruas esburacadas, lixo entupindo
bueiros, pedintes sem abrigo, porto de balsas surucando, sem contar que o
feijão virou comida de nobre, e estava pela hora da morte. A plebe pedia a
renúncia do alcaide; panelaços, cartazes, xingamento e nada se resolvia.
Colocaram a Princesa contra a parede; – “Já passou da hora de Vossa Majestade
expulsar o alcaide para um lugar muito, muito distante.”
        
“Não posso fazer isto! Temos formalidades à cumprir”, disse a Princesa.
        
“Que formalidades Alteza? Ele não será o primeiro à ser depostos, outros mais
espertos sofreram à execração pública, e nem deixaram saudade; algum
problema?”, perguntou um exaltado plebeu de nome Nicodemos.
        
“A caneta do imperador desapareceu!”, informou a Princesa.
        
“Como desapareceu! Sumiu? Como que nosso objeto histórico de mais valia, some
assim de uma hora para a outra, e ninguém viu?”, gritou Nicodemos.
        
“Não sei explicar! Estava trancada no cofre com minhas joias… Alguém deve ter
descoberto a combinação, e surrupiado o valioso objeto.”, choramingou a
Princesa.
        
“Esta história de assaltar cofre é velha, Alteza! Queremos a solução e não
disparates, e outra coisa, sabemos muito bem que a caneta de ouro não foi um
presente do imperador, ela foi roubada do palácio imperial…”, contou o
professor Albertinho.
        
“Não é verdade! O imperador colocou a caneta na minha bolsa e ninguém viu…”,
explicou Sua Majestade.
        
“Se foi assim que aconteceu, por que a guarda imperial revistou casa por casa
aqui no reino? Alguns lacaios foram torturados na época, e a caneta não foi
encontrada.”, contou o bravo professor, e insistiu; “o que a caneta tem à ver
com a cassação do alcaide?”
        
“Qualquer edital só tem validade quando assinado com a caneta imperial, sem a
caneta nada feito!”, informou a Princesa.
        
“Sacanagem, hem Majestade! Quer dizer que agora podem aprontar a vontade? E
quanto tempo faz que a bendita caneta desapareceu?”, perguntou o senhor
Nicodemos.
         – “Faz um bom tempo”, disse a Princesa                                 
        
“Então está explicado o porquê de tantos desmandos, tanta sacanagem com a coisa
pública, tanto apego a cargos, tanto desamor pelo reino, tantas promessas não
cumpridas. E, a senhora sabendo de tudo, e não moveu uma palha? Está na hora de
acabar com a folia, vamos cassar o seu título de Princesa!”, gritou o professor
Albertinho.
        
“Que horror! Como viverei sem mordomias? Quem vai pagar os jantares quando
viajo? E o cabeleireiro, a manicure, a modista? As carruagens? Os foguetes? As
cestas básicas que distribuo à todos vocês? As contas de luz em atraso? Os
churrasquinhos grátis? A cerveja gelada? Não! Não posso ser apeada do poder;
alguém sabe quem roubou a caneta?”, perguntou a Princesa.
        
“Eu sei!”, disse uma criança.
        
“Então conte, menino!”, suplicou a Princesa.
        
“Se eu contar, a coisa vai ficar pior do que já está! Posso segredar no seu
ouvido, Majestade?”, perguntou a criança.
        
“Pode criança! Cochiche aqui na minha orelha.”, pediu a Princesa.
         Quando
o menino foi sussurrar o nome do larápio, alguém muito mal intencionado jogou
uma pedra, a pedra atingiu o guri na cabeça, a criança dedo-duro morreu na
hora… Uma grande confusão se formou, a guarda real retirou a Princesa em
segurança, o povo vil aplaudiu, e comentou; – “Que Deus guarde nossa querida
Princesa, tão amada e honesta.” 
Gastão Ferreira/2016
                                                             

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