Só vendo o jeito dele
         Contam
as lendas urbanas que a vida amorosa não era nada fácil, lá pelos anos 40, na
Princesa do Litoral; casamento era para sempre, a mulher era apontada como a
culpada pelos desacertos matrimoniais, mas desde que Eva aceitou a maçã, ela
sempre arrumou uma maneira de se sair bem, com ou sem a ajuda da serpente.
         Graça
Aparecida se apresentou na delegacia, precisava conversar com o delegado e
sondar as possibilidades de arranjar um bom marido. Naquele tempo, os delegados
e outras autoridades eram nomeações políticas, Gracinha conhecia o senhor
delegado.
        
“Pois não! Em que posso servi-la?” perguntou o delegado.
        
“Gostaria de prestar uma queixa de estupro…”
        
“Estupro é algo gravíssimo, sujeito a prisão! Por favor
relate os fatos, e sem esquecer os pormenores…”
        
“Doutor, sábado à noite, como sempre faço, fui dançar no salão Risca Faca, e o
jovem Dito Peva me tirou para dançar…”
        
“Dito Peva, filho do Seu Januário, criador de suínos no Jairê?”
        
“Sim, o próprio! Chegou todo sorridente, pediu licença e partimos para a dança,
aí ele começou a me apertar…”
        
“E?”
        
“E, eu só vendo o jeito dele…. Na verdade, ele nem estava mais me apertando,
e sim me arrochando…E, eu só vendo o jeito dele….”
        
“Uhm! E daí, o que aconteceu?”
        
“Daí, que deu um calorão em nós dois e ele me chamou para tomar uma aragem lá
fora do salão.”
        
“E você foi?”
        
“Sim! Pois eu estava de olho no jeito dele. Nos afastamos do salão e fomos em
direção à uma canoa varada (canoa varada é aquela canoa que foi tirada da água
e deixada em um lugar seco), e ele começou a desabotoar a minha blusa, e eu só
vendo o jeito dele….”
        
“Mas, você não reagiu?”
        
“Como reagir, doutor? E eu ia lá saber o que o lazarento queria! Mas, não sou
nenhuma bobinha, pois continuava de olho no jeito dele; Foi aí que ele me
deitou na canoa e abusou da minha pessoa, duas vezes…”
        
“E você gritou? Chamou por socorro? Alguém viu vocês?”
        
“Tivemos todo o cuidado de despistar o pessoal, pois na zona rural todo o mundo
cuida de todo o mundo, ninguém nos viu, e eu não gritei porque poderia ficar
mal afamada…”
        
“Deixa ver se eu entendi! Você vai sozinha num baile no meio do mato, no mal
afamado Risca Faca, fica se esfregando no primeiro que aparece para dançar. O
sujeito se aproveita e fica te bolinando, e você de olho no jeito dele, nem
desconfia no que pode acontecer?” 
        
“Desconfiar, a gente desconfia, é por isso que estou aqui pedindo justiça;
quero que o senhor delegado enquadre Dito Peva e obrigue ele a casar comigo…”
        
“Ah, então é isso! Quer arranjar marido as custas da lei? Pois ponha-se daqui
para fora! Suma! Desapareça! E se aparecer novamente, eu mando te prender…”
        
“Mas, doutor! O que eu faço?”
        
“Fique de olho no jeito dele.”
Gastão Ferreira/2019
        

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